A importante luta de indígenas, quilombolas e professores do Pará contra o projeto de lei que objetiva substituir aulas presenciais por um modelo remoto se configura em exemplo sem igual na defesa do caráter público e da qualidade da educação. A ação autônoma e independente que os povos originários levaram às últimas consequências reforça a urgente necessidade de romper com as amarras do legalismo, superar o corporativismo de direções encasteladas na burocracia, inertes pela partidarização das entidades e cooptadas pelo governismo.
No Paraná, a memória do massacre de 29 de abril de 2015 resplandece não como uma farsa, mas como uma luz a apontar o caminho da reorganização para os enfrentamentos que estão postos. Prestes a completarmos dez anos da heroica resistência, eis que irrompe uma centelha de esperança reacendendo a chama da luta e iluminando o caminho da resistência e de novas conquistas. Eis que surge o Movimento 29 de abril.
A sua primeira plenária, realizada no dia 25 de janeiro, contou com a participação de 58 trabalhadores e trabalhadoras da educação das redes federal, estadual e municipal de ensino. Além das manifestações de apoio e dos votos de que a iniciativa floresça e se consolide como um marco na defesa da educação pública, gratuita, laica, de gestão pública civil, a atividade aprovou um conjunto de pontos emergenciais a serem enfrentados já no início do ano.
As deliberações da plenária incluíram a cobrança por uma assembleia presencial da rede estadual para debater o descumprimento da hora atividade e as perdas salariais que ultrapassam os 40%.
Para além dessas questões, a plenária debateu a plataformização da educação, a uberização do trabalho docente e a privatização e militarização das escolas estaduais. Todo esse processo representa a transferência de dinheiro público para empresas privadas, favorecendo aqueles que já se beneficiam com isenções fiscais e anistia de suas dívidas. O resultado é a concentração de riquezas nas mãos de poucos e o aumento das desigualdades sociais.
Enfrentar o empresariamento da educação requer articular a resistência no local de trabalho, começando por não trabalhar para além da jornada contratual, recusando-se a realizar qualquer atividade relacionada às plataformas fora do tempo destinado à hora atividade. Para o M29, a intensificação do trabalho e a extensão da jornada para além dos limites do nosso próprio corpo vêm agravando o quadro de adoecimento dos docentes. Enquanto isso, o mesmo Estado que nos explora e nos adoece também nos nega o direito à licenças médicas.
Dentre as suas deliberações, o M29 buscará articular uma audiência pública junto à ALEP justamente para debater as condições de vida e trabalho dos trabalhadores e trabalhadoras da educação. O objetivo é dar visibilidade ao problema e pressionar o governo a tomar medidas para proteger a nossa saúde.
Outro debate fundamental indicado pela plenária diz respeito à urgente luta pela consolidação da jornada de 20 horas de trabalho, sem redução de salário e com 50% do tempo destinado à hora atividade. A lei do piso salarial do magistério, apesar de representar um importante avanço, ao estabelecer a jornada de 40 horas como referência, acabou, sob ataque dos sucessivos governos, convertendo-se em um teto salarial o qual vem sendo alcançado mediante políticas de bonificação vinculadas às metas.
A plenária do M29 deliberou também pela superação do corporativismo da luta sindical, insuflado pelo pragmatismo eleitoreiro de direções que mobilizam as categorias apenas quando servem aos seus interesses partidários. Para avançar na luta em defesa da escola pública, o M29 fomentará a criação de comitês populares, estreitando os laços entre servidores e usuários. A defesa da educação pública como um direito fundamental terá mais êxito quanto mais vinculada aos interesses gerais das classes trabalhadoras.
Preservar a memória e se lançar ao desafio do nosso tempo histórico
O significado histórico desse novo instrumento de organização e luta dos trabalhadores e trabalhadoras da educação foi explicitado no dia 03/02/2025, segunda-feira passada, quando, ao deixar a presidência da ALEP, Ademar Traiano do PSD, mesmo partido do governador, afirmou ter sido acertada a decisão do dia 29/04/2015 de bombardear, por quase três horas, os servidores públicos que buscavam impedir que sua previdência fosse assaltada pelo governo do estado.
Traiano não poderia sair de cena sem fazer referência ao 29 de abril, pois ele compreendeu o seu significado histórico e político. Muito diferente da direção do sindicato do magistério estadual. Assim que acabou o bombardeio, ordenaram o fim do acampamento da praça N. Sra. da Salete e, no dia seguinte, foram entregar flores aos seguranças e deputados em frente à ALEP.
A simbologia da entrega de flores em sinal de apaziguamento era na verdade o prenúncio da própria entrega do movimento grevista, convencido pela direção a retornar ao trabalho sem conquista efetiva alguma. Enquanto os corpos reverberavam a violência desmedida, a direção, como um coro de anjos desafinados, pedia paz. Mas a paz, naquele contexto, era apenas o silêncio dos vencidos, a pausa antes dos próximos ataques, cujo ímpeto se abateu sobre uma categoria descrente de sua direção e do próprio instrumento de luta.
A referência ao 29 de abril, sem remorso ou desfaçatez por um de seus algozes quase dez anos depois, reforça a convicção por uma nova força organizativa livre das amarras da partidarização, do parlamento e da judicialização de nossas lutas. Apesar de ter confessado o recebimento de propina, Traiano permaneceu durante todo esse tempo não só com o cargo de deputado, mas também como presidente da ALEP. A justiça, por sua vez, cumpriu seu papel de representante dos interesses de classe e determinou sigilo absoluto sobre as provas do caso. Essa é a mesma justiça, à qual a direção sindical tem confiado as pautas do magistério estadual, que inocentou não só o próprio Traiano, como também o ex-governador Beto Richa, os principais responsáveis pela violência policial daquele dia.
Ao se despedir do cargo, Traiano poderia ter se atido a qualquer outro evento político da sua gestão, mas preferiu recordar, não por acaso, o de maior relevância política. Tal feito evidencia que as direções sindicais foram incapazes de mobilizar a sociedade em favor da educação pública, mas fundamentalmente de garantir que os
governantes respondam por seus crimes contra o patrimônio público e contra os trabalhadores e trabalhadoras da educação
Nesse sentido, o Manifesto que fundamenta a criação do Movimento 29 de Abril não poderia estar mais correto em seu diagnóstico sobre a relação entre o sindicalismo oficial e o parlamento burguês. A tática das direções sindicais de sustentar a farsa da representatividade parlamentar como única via para conter o furor do capitalismo sobre nossos direitos tem impactado negativamente sobre a consciência das classes trabalhadoras, reforçando a crença de que bastariam pequenos ajustes no sistema ou eleger “um dos nossos” para que venhamos a viver dias melhores em direção ao paraíso.
À estes dirigentes, que há muito se acomodaram às benesses do Estado, aos cargos no parlamento ou na hierarquia sindical, relegando a organização por local de trabalho a mera retórica larvária, alimentando-se da ilusão de organização e enfraquecendo os laços solidários da classe, é preciso contrapor uma real organização que articule os trabalhadores e trabalhadoras da educação nas mais diversas situações contratuais.
Sigamos ombro a ombro, efetivos e temporários, desempregados e terceirizados, das diferentes redes de ensino público e também da rede privada, fazendo ecoar o lema do M29: “Me organizando posso desorganizar”. Caminhemos lado a lado, de braços dados, “em memória, em luta, em solidariedade e em direção ao futuro”, transformando sua insígnia em um grito de liberdade retumbante que se espraia sobre os muros da desigualdade, da exploração e das opressões.
Viva o Movimento 29 de Abril
Viva os trabalhadores e trabalhadoras da educação
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*Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.