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Próximo de completar um ano, política de gestão territorial quilombola precisa avançar com urgência

Comunidades quilombolas assumem protagonismo na gestão de seus territórios, mas enfrentam desafios

Por Kathleen Tie Scalassara, Biko Rodrigues e Daniel Paulino Filho*

Neste Dia Nacional da Consciência Negra e de Zumbi dos Palmares, celebrado em 20 de novembro, a Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental Quilombola (PNGTAQ) completa um ano de criação. Fundamental para as mais de 8 mil comunidades quilombolas presentes em território brasileiro, a PNGTAQ foi lançada em 2023 com o objetivo de implementar um conjunto de políticas públicas para efetivação de direitos fundamentais, tendo como premissa a autogestão, autonomia e o reconhecimento de que as comunidades possuem protagonismo no gerenciamento de seu território, podendo discutir e decidir questões como o manejo da terra, geração de renda e preservação de espaços sagrados.

Fruto de uma construção coletiva de mais de 10 anos que envolveu Governo Federal, a Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq), comunidades e parceiros, a Política é coordenada pelo Ministério da Igualdade Racial (MIR), com ações conjuntas com outros ministérios, podendo ser implementada pelos estados e municípios.

Desde a edição e publicação da PNGTAQ em 2023 até hoje, avanços importantes foram obtidos, alguns a partir de movimentações institucionais, mas especialmente através da atuação das comunidades quilombolas, suas entidades representativas e da assessoria jurídica popular.

Em âmbito nacional, o MIR deu início a realização de oficinas regionais com o intuito de aproximar, informar e formar os quilombolas sobre a PNGTAQ e suas possibilidades. No estado do Paraná, por exemplo, a oficina ocorreu nos últimos dias 7 e 8 de novembro, e contou com a participação de lideranças quilombolas de cerca de 26 comunidades.

Também no Estado Paranaense, a incidência política protagonizada pela Federação das Comunidades Quilombolas do Estado (Fecoqui-PR), junto da assessoria jurídica da Terra de Direitos, garantiu a adesão da política pelo Poder Executivo estadual e pela Prefeitura Municipal de Adrianópolis. Além disso, as ações das entidades geraram a sinalização de adesão por parte das prefeituras de outros dos municípios do estado: Doutor Ulysses e Reserva do Iguaçu.

Vale destacar que a celebração do termo de adesão e de compromisso de implementação da PNGTAQ entre os governos municipais e/ou estaduais e o governo federal é necessária para que as comunidades possam iniciar a construção do seu plano local de gestão territorial e ambiental quilombola, que poderá contar com recursos próprios, de instituições parceiras, da União, estados e municípios. O plano local servirá como indicador das principais demandas da comunidade, bem como as áreas prioritárias para desenvolvimento das ações.

As comunidades têm contado com apoio de organizações representativas e de direitos humanos para apropriação da Política e elaboração dos planos. Em Adrianópolis (PR) foi realizada uma oficina com as comunidades, articulada pela Fecoqui, Rede Nacional de Advogados Quilombolas e a Terra de Direitos. O município é o primeiro do país a aderir à Política. Já no Pará, a Federação das Organizações Quilombolas de Santarém (FOQS), com apoio da Terra de Direitos e Conaq, também realizou formação sobre a Política.

Essas ações – apesar de contarem com apoio do MIR – possuem como principais articuladores as próprias comunidades quilombolas, que se aliam a parceiros para que possam aprofundar os conhecimentos sobre a política e reivindicar sua implementação. Ou seja, mesmo com a política pública estabelecida, as comunidades seguem necessitando se mobilizar e articular para que as informações cheguem nos territórios. Garantir o acesso pleno e facilitado dos quilombolas a essas informações é um dos desafios enfrentados para a execução da política e que devem ser parte da agenda institucional.

No seu aniversário de lançamento, a PNGTAQ deve passar a ser encarada como prioridade na agenda governamental e ministerial. Mesmo que avanços tenham sido conquistados, ações imprescindíveis para uma implementação na esfera nacional e célere devem ser realizadas pelo governo federal, responsável por sua efetivação. Entre as medidas a serem tomadas estão a criação do comitê gestor instituído e disciplinado pelo decreto, uma das primeiras iniciativas previstas na Política. No entanto, até o momento o ministério está realizando o processo de seleção das entidades para compor este colegiado. O MIR ainda precisa avançar em garantir respostas mais ágeis aos governos municipais que desejam aderir à Política, na disponibilização de informações e realização de mais formações junto às comunidades, entre outras.

Dentro de um contexto global de emergência climática e crise ambiental, torna-se ainda mais importante que grandes e urgentes esforços sejam tomados por uma implementação efetiva da PNGTAQ, garantindo a possibilidade do etnodesenvolvimento das comunidades quilombolas e a preservação da biodiversidade, uma vez que dentre outras categorias fundiárias, os territórios quilombolas estão entre as áreas mais conservadas no Brasil. Entre 1985 e 2022 a perda de vegetação nativa em territórios quilombolas foi de 4,7% contra 17% de áreas privadas. Em territórios titulados a taxa é ainda menor: 3,2%, segundo dados do MapBiomas.

Nesse sentido, garantir a proteção territorial quilombola, com a devida titulação dos territórios, prezando pela autonomia, autogestão e etnodesenvolvimento através da PNGTAQ, pode garantir a perpetuação de modelos de relação, usos e manejos da terra que indicam possibilidades de enfrentamento à crise ecológica do planeta.

* Kathleen Tie Scalassara é quilombola do Vale do Ribeira (SP) e assessora jurídica da Terra de Direitos; Biko Rodrigues é Coordenador executivo da Conaq; Daniel Paulino Filho é estudante em Direito (UFPR) e estagiário na assessoria jurídica Terra de Direitos

** Este é um artigo de opinião e não necessariamente representa a linha editorial do Brasil do Fato.

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