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Governo Lula em alerta amarelo 

Não guardes para amanhã o que podes fazer hoje / Na hora da morte, não vale a pena tomar remédio / Não cantar vitória antes do tempo (provérbrios populares portugueses)

  1. O mundo mudou desde a posse de Trump, e ainda não se completou um mês desde então. O impacto de suas iniciativas contrarrevolucionárias frenéticas é imenso: limpeza étnica na Faixa de Gaza, plano de deportações na escala de milhões, tomada de controle do Canal do Panamá, projeto de compra da Groenlândia, tarifas de importação elevadíssimas para os principais parceiros comerciais, desmonte das políticas públicas de educação e saúde, e agora intervenção na negociação do desenlace da guerra da Ucrânia sem os europeus na mesa com Putin. Sinaliza a estratégia de um nacional imperialismo que quer se reposicionar contra a China para preservar a supremacia no sistema de Estados. Vai se voltar sobre o Brasil. Musk já fez o primeiro movimento declarando apoio às mobilizações de rua do bolsonarismo para o próximo 16 de março. A derrota de Bolsonaro em 2022, e o fracasso do golpismo poderiam ter tido outro desenlace se Trump estivesse na Casa Branca. O destino de Bolsonaro não depende somente do cerco judicial. Já é possível prever as dificuldades extras que a esquerda terá que enfrentar nas eleições de 2026. Os prazos da disputa diminuíram e tudo se acelera. “Deixar ficar como está para ver como é que fica” não é uma boa tática. Tentar “correr atrás do prejuízo” em 2026 será tarde demais. Alerta amarelo. 
  1. Ao mesmo tempo, janeiro foi um mês “horribilis” para o governo Lula. Tivemos o episódio Pix, a pressão inflacionária, as eleições para a presidência das duas casas do Congresso, a campanha pela anistia da ultradireita e, não menos importante, as pesquisas de opinião que indicam crescimento da desaprovação de Lula. Diante desta evolução da conjuntura, é necessário manter o sangue frio. Sempre é bom não se impressionar demais com oscilações nas pesquisas. Mas o mais importante é que estamos diante da apresentação da denúncia da PGR contra Bolsonaro e seus cúmplices. Este desenlace abre uma oportunidade histórica. A condenação de Bolsonaro e de generais de quatro estrelas não tem precedente no Brasil, e sua repercussão será gigantesca na luta política. Recordemos que no Brasil, diferente da Argentina, a ditadura foi derrotada, mas o governo figueiredo não caiu. As Forças Armadas permaneceram intactas. Ninguém da cúpula militar foi julgado e preso. Agora, é possível. Se enganam aqueles que insistem em considerar que só as variáveis econômicas são qualitativas. Elas pesam muito, evidentemente. Esse é o “beabá” marxista. Mas não estamos em 2005, quando do mensalão. A sociedade mudou. A disputa ideológica tem um enorme papel na consciência de dezenas de milhões. O Brasil está dividido diante do processo contra o bolsonarismo, mas, inclusive, uma fração burguesa está contra a impunidade.  
  1. Três táticas dividem a esquerda nesta conjuntura: alinhamento incondicional com o governo, denúncias ininterruptas contra Lula, ou exigências justas para pressionar por um giro à esquerda? Os defensores incondicionais argumentam que “entregas” são suficientes. Sim, são importantes, a vida das massas tem que melhorar, não pode piorar, mas não será o bastante. A esquerda tem que representar um projeto de esperança. As pessoas não querem muito. O povo não espera os “rios de leite e de mel” de um paraíso utópico. Mas as referências de uma vida melhor mudam a cada geração. Não estamos em 2008, agora é 2025. Comida no prato é decisivo para os mais pobres. Não é para os remediados, as camadas médias dos trabalhadores que disputamos com o bolsonarismo. Nessa parcela da classe trabalhadora há expectativa de que o governo Lula vai se posicionar contra os abusos da educação privada, da saúde privada e dos planos de aposentadorias privados. Vai defender a redução da jornada de trabalho com o fim da escala 6×1. Há a esperança de que a isenção do imposto de renda vai vir, e que os realmente muito ricos vão ter que pagar mais impostos. Justiça social é uma bandeira poderosa. Aguardam uma disposição de luta de Lula e do governo contra o racismo visceral, a misoginia machista, a homofobia patológica, as queimadas na Amazônia, os abusos da violência policial, as invasões das terras indígenas. Os limites da governabilidade devem ser desafiados, com responsabilidade, mas rompendo coma inércia. Um giro a esquerda não é uma ofensiva, mas é um movimento. O governo não pode ir além do que a situação permite, porque ações provocam reações, mas pode contra-atacar. Luta política- ideológica em patamar mais elevado e mobilização popular, tendo por meta o 8 de março e o 1º de maio. Aqueles na esquerda radical que se posicionam na oposição a Lula esquecem o mais importante: não é possível derrotar o bolsonarismo sem o PT e Lula. A ultrapassagem pela esquerda do governo não é possível. Mas é possível empurrar o governo para a esquerda. A ultradireita não tem limites. As lideranças das Forças Armadas permanecem satélites da contrarrevolução. O perigo de um golpe foi real e, se o golpe tivesse sido precipitado, com a ameaça de uma guerra civil teríamos sido derrotados. 
  1. O que está, realmente, em disputa? A parcela da esquerda que defende alinhamento incondicional com o governo esgrime dois argumentos principais. O primeiro é que governo vem realizando reformas progressivas: aumentou o valor do salário mínimo acima da inflação, e conseguiu reduzir o desemprego; turbinou as verbas de financiamento do acesso à casa própria através do Minha Casa, Minha Vida; ampliou as políticas sociais compensatórias como o Bolsa Família; respondeu ao desastre das inundações no Rio Grande do Sul com um programa emergencial de reconstrução; reduziu o desmatamento na Amazônia, e defende uma autoridade climática; garantiu o acesso de negros ao ensino superior através da política de cotas; impulsionou a extensão da Rede Federal de Ensino superior, iniciando a construção de 100 IFES. O segundo é que não era possível ir além em um ano e meio em função de uma relação de forças entre as classes que é desfavorável para os trabalhadores. Se apoia no senso comum de que Lula não fez mais até agora porque não podia. A relação de forças entre as classes está ainda muito ruim, mas oscila e flutua dependendo de muitos fatores. Acontece que um desses fatores, na verdade, um dos principais para incentivar a capacidade de mobilização popular é a própria iniciativa do governo. E a principal preocupação do governo Lula foi outra. Foi e permanece sendo manter a concertação com a fração da classe dominante que garante sua governabilidade no Congresso Nacional. Esta estratégia é insuficiente para derrotar o bolsonarismo, que é o desafio central. O papel da esquerda combativa é criticar esta impotência. Se não for corrigida será fatal para o próprio governo Lula. 
  1. A parcela da esquerda radical que defende o giro para a oposição esgrime dois argumentos centrais. O primeiro é que o governo não rompeu sequer com os limites da estratégia neoliberal de ajuste fiscal, portanto, mesmo com a diminuição da pobreza, é herdeiro de Temer e até de Bolsonaro por uma política econômica anti-operária e popular que beneficia os grandes capitalistas. O segundo é que não é possível lutar contra a extrema direita sem denunciar o governo Lula, que é responsável pela crise social que explicaria o aumento da audiência do bolsonarismo. Os dois argumentos têm um “grão” de verdade, mas são falsos. Não é verdade que não há diferença entre o governo Lula 3 e os governos que assumiram o poder depois do golpe institucional de 2016 que derrubou o governo Dilma Rousseff. Não é honesto. Trata-se de um exagero. Há muitas diferenças. Tampouco é justo concluir que não se pode lutar contra Bolsonaro sem lutar contra o governo Lula. Ao contrário, o que a vida ensina é que não será possível vencer na luta contra a extrema direita sem o apoio do governo Lula. Não está em disputa se Lula terá o seu “momento socialista Fidel”. Não está em disputa se Lula terá seu “momento nacional desenvolvimentista Chávez”. Não está em disputa sequer se Lula terá seu “momento reformista Allende”. Afinal, o que está então em disputa? O que está em disputa é o destino da luta contra a extrema direita. Neste terreno, a frente única de esquerda é uma tática indispensável para vencer o bolsonarismo. Sem Lula e o PT não é possível nem pensar em vencer os neofascistas. Aliás, a situação evoluiu tão mal que somente a unidade da esquerda, tampouco, será suficiente. Aqueles que subestimam este perigo ainda não compreenderam a máxima gravidade do que está acontecendo no mundo com Trump, e no Brasil, com o peso social da extrema-direita.   

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