“Mulheres Cabulosas da História” quer virar livro

Levante Popular da Juventude inicia financiamento coletivo para publicação que reunirá fotos e biografias de mulheres

Isis Medeiros/ Levante Popular da Juventude

Completando um ano de nascimento, o projeto fotográfico “Mulheres Cabulosas da História”, do Levante Popular da Juventude, ganha ainda mais fôlego em 2017. No Dia Internacional de Luta das Mulheres, 8 de março, o movimento inicia um financiamento coletivo para a realização de um livro que conterá o resultado das fotografias e também a biografia de mulheres que fizeram a diferença no mundo.

A publicação reunirá releituras de fotos de 100 personagens consagradas, que foram, cada uma a seu modo, agentes importantes na batalha contra o machismo e pela igualdade de direitos. As imagens foram produzidas com jovens comuns, e também fortes, como modelos.

“Quando vamos pesquisar a trajetória de mulheres é que percebemos que não existem informações sobre elas. São sempre tratadas como esposas de alguém, mesmo tendo realizado trabalhos tão significativos quanto os homens”, relata a fotógrafa Ísis Medeiros. Ela explica que esse foi um dos motivos para a ideia do livro, que está sendo construído com linguagem simples e tem como objetivo democratizar esse conhecimento e compor acervos de escolas e bibliotecas públicas. O texto será desenvolvido pelas sociólogas Maria Fernanda Caldeira e Nathália Ferreira.

CONSTRUÇÃO COLETIVA

Além de modelos, as meninas participantes tomam conta da produção, maquiagem e figurino. Cada “cabulosa” foi também uma escolha pessoal, que, de alguma forma, traduzia vivências em comum entre personagem e fotografada. “É incrível perceber o quão marcante o processo está sendo para as meninas. Elas se sentem felizes por conhecerem a vida de outras mulheres, e isso também faz parte de um amadurecimento íntimo. Muitas já me falaram que começaram a se amar mais a partir das fotos”, revela Ísis.

É o caso de Emanuely Tenório, estudante negra que escolheu representar a escritora cubana Teresa Cárdenas, também negra. Ela conta que não conhecia a obra de Teresa, mas ao pesquisar se emocionou com os relatos sobre as consequências da escravidão, ainda presentes na sua rotina. “Teresa fala de representatividade, escreve para crianças negras e eu gostaria de ter lido algo assim na infância. Sei que ela sofreu, como eu, por ainda ser vista como um objeto, por acharem que racismo é vitimismo. Na faculdade onde estudo, as pessoas ainda me olham como se ali não fosse meu lugar”, conta.

“A história dela me transformou”

Já a história de Minerva Mirabal ajudou Bruna Coelho (foto acima) a ter mais força para continuar na universidade. Ela veio do meio rural e quis retratar uma mulher como ela, também do campo. Minerva e suas duas irmãs, Patria e Antonia, formaram na República Dominicana um grupo de oposição ao ditador Rafael Trujillo. O grupo ficou conhecido como “Las Mariposas”.

Elas foram presas e torturadas diversas vezes, sendo assassinadas no dia 25 de novembro de 1960. “A história dela me transformou. É uma mulher que representa mais minha realidade, todo dia atravesso quatro cidades para estudar. Vi o quanto ela resistiu à violência, nunca desistiu da luta e isso me encorajou”, diz Bruna.

Daniela Chagas (foto de capa) realizou um sonho antigo ao se vestir, para as fotos, de Valentine Y. Orlikov, comandante da marinha russa. Daniela sempre quis fazer parte da aeronáutica brasileira, que há alguns anos só aceitava homes no time, e, por um minuto, pôde experimentar um pouco do que é ser mulher nas Forças Armadas.

Uma das mulheres lésbicas ficou a cargo da militante Chantal Araújo (foto abaixo), que interpretou a ativista LGBT dos EUA Barbara Gittings. “Todas as ‘cabulosas’ representam mulheres do dia-a-dia, como a minha tia avó. Representam não um indivíduo, mas um coletivo de mulheres corajosas, que lutam”, afirma a moça.

“Todas as ‘cabulosas’ representam mulheres corajosas, que lutam"

PRIMEIRA EDIÇÃO TEVE REPERCUSSÃO NACIONAL

A primeira parte do projeto “Mulheres Cabulosas da História” foi lançada há um ano, em 8 de março de 2016, pelo Levante Popular da Juventude e colaboradoras. Na ocasião foram retratadas 43 personagens femininas junto a pequenas biografias. A ideia teve repercussão em inúmeros jornais e publicações feministas, principalmente na internet.

Foi assim que as fotos de Beatriz Nascimento, professora sergipana cuja atuação foi essencial para o movimento negro brasileiro, e Tuira Kayapo, a indígena que empunhou um facão contra um dos engenheiros que tentavam construir a usina de Belo Monte, passaram por diversos locais. As fotos também foram expostas em locais públicos como a Biblioteca Professor Francisco Iglésias e o Centro Cultural São Geraldo, em BH.

“Na escola, nos livros de história e na mídia não vemos as mulheres importantes e protagonistas na luta do povo sendo devidamente retratadas”, explicou à época Paula Silva, uma das idealizadoras da primeira edição e militante do Levante Popular da Juventude. Para ela, o apagamento das contribuições femininas faz com que as pessoas não tomem conhecimento do potencial revolucionário das mulheres.

TUDO EM LIVRO

O livro completo contará com 100 fotos, sendo 43 já lançadas em 2016 e 57 inéditas. O movimento pretende lançar uma plataforma colaborativa para financiar o projeto.

Em 2016, 43 personagens femininas foram retratadas

Negros e Negras que deram “pala” na história

INSPIRADO NO "MULHERES CABULOSAS", COLETIVO FAZ RELEITURA DE PERSONAGENS NEGROS NA BAHIA

O Levante Popular da Juventude de Salvador celebrou o mês da consciência negra em 2016 de forma parecida, realizando o projeto fotográfico “Negros e Negras Palosos da História”. Foram 20 personagens revividos por integrantes do movimento, sendo 12 mulheres negras, como Maria Carolina de Jesus, Dandara dos Palmares, Tereza de Benguela, Negra Zeferina e Maria Bonita.

A ideia foi dar visibilidade à história de negros e negras que construíram o país, participando da música, da literatura, e principalmente de revoltas populares. “Essas figuras deveriam estar em nossos livros de história, conhecê-los e apreciá-los deveria ser parte de nossa cultura”, comenta Dj Bonfim, integrante do Levante e um dos organizadores do projeto.

O termo “palosos”, também ajuda a entender quem são esses personagens. “Paloso é algo ou alguém fantástico, que surpreende por ser muito bom em alguma atividade”, explica Dj Bonfim.

Para Amanda Rosa, que representou Maria Bonita e também atuou na fotografia, maquiagem e figurino, o ensaio proporcionou que todos conhecessem mais sobre os personagens fotografados e sobre suas próprias origens. “Não tem como realizar um projeto desses e sair sem compreender nosso papel na sociedade, enquanto construtoras e construtores, sabendo que podemos transformá-la”, reconhece.

O “Negros e Negras Palosos” gera agora mais um fruto. O movimento lança para 2017 um calendário de parede com as fotos do ensaio, com o objetivo de chegar a outros lugares e pessoas, segundo a fotógrafa Jamile Araújo. “O resultado foi emocionante para quem viu o ensaio pronto, mas também para as mãos que o construíram. A sociedade sempre nos coloca o limite de que não somos capazes, e nós pudemos produzir algo bonito e com um grande significado para a luta que travamos diariamente”, diz.