Aos 19 anos, Lil Urysse, pioneiro do rap território indígena do Xingu, no Mato Grosso, começou a rimar como forma de denunciar o avanço do agronegócio na região. Mesmo compondo letras que dialogavam com a ancestralidade do seu povo, dentro da aldeia, os parentes não concordavam com a atitude dele por estar “acabando com a cultura, sendo marginal”, lembra o rapper do povo Kuikuro.
A solução para continuar com o sonho foi começar a gravar sozinho. Mesmo tendo pouco sinal de internet, Urysse conseguiu criar uma conta no Tik Tok e foi por lá que começou a divulgar o trabalho e se comunicar com outros artistas.
“Com isso, eu criei uma rede de contatos com outros artistas que já estavam fazendo rap há mais tempo e o pessoal me incentivava, dizia que era a maneira de mostrar a nossa cultura, a nossa realidade. Foi assim que chegou o convite para eu me apresentar no ATL [Acampamento Terra Livre]. Foram duas vezes, em 2022 e 2024”, lembra em entrevista ao programa Bem Viver desta quinta-feira (20).
“Eu já tava desistindo, mas vi que tinha talento e entendia o rap como ferramenta pra gente mostrar a nossa cultura, a nossa realidade.”
Urysse é integrante do grupo Nativos MCs, que este final de semana lança um novo álbum em parceria com Txepo Suruí, mantendo a tradição de rimar português com kuikuro, lingua nativa do povo.
Na entrevista, o rapper fala sobre unir “tradição e modernismo” no rap, sobre os desafios ao ingressar na Faculdade de Letras na Universidade de Campinas (Unicamp) e também o uso de balaclava nas fotos das redes sociais por medo de ameaças de fazendeiro.
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Confira a entrevista na íntegra
Quando você fez as primeiras rimas?
Eu comecei a fazer rap quando eu tinha 12 anos, entre 2017 e 2018, acompanhando batalhas que aconteciam em outras aldeias ou até fora aqui, em Brasília.
Eu comecei nessa época também fazer poesia, tudo na língua indígena, na língua kuikuro, do tronco linguístico Caribe.
Eu tinha dificuldade de falar a língua portuguesa. Então eu estudei muito só para conseguir fazer o rap na língua portuguesa, comecei ler bastante livros só pra dominar a língua portuguesa.
E hoje em dia eu faço nas duas línguas, eu falo língua kuikuro e língua portuguesa, aí fico misturando os versos, estrofes.
Eu acho que isso é muito importante porque tem essa visão das pessoas não-indígenas de que a gente não fala mais nossa língua, a nossa língua materna, e eu faço isso para mostrar que, sim, existe a língua indígena.
Como foi o início desse processo de virar rapper?
Na época, meu pai comprou uma caixa de som bem grande e microfone, aí toda tarde eu fazia rima, eu botava um beat e aí eu rimava em cima desse beat.
Mas a galera não gostou muito, eles falavam que eu estou acabando com a cultura, que eu era marginal, que eu não devia seguir essa caminhada e tal, que eu estou seguindo o caminho errado.
Por esse motivo, eu sofri bastante, passei por várias situações, recebendo críticas de pessoas próximas falando que eu sou uma má influência para o filho deles por fazer o rap em vez de praticar nossa cultura.
Então eu me afastei do rap e fiquei um ano, talvez, dois anos, afastado do rap. Nessa época, eu comecei a escutar k-pop, sertanejo, tentando esquecer a existência do rap, eu queria esquecer mesmo.
Fiquei meio deprimido por esses comentários, falando que eu sou marginal, por causa do meu estilo que eu uso roupa larga e tal. Porque aqui no Mato Grosso é bem diferente. Aqui é a galera do agro, chapéu, bota, essas coisas.
Mas eu sinto que eu sou diferente, porque tenho um vibe bem diferente daqui.
E como foi a sua volta pro rap?
Era 2020 quando eu voltei a escutar. Na verdade, meu pai comprou um celular pra mim, então eu criei uma conta no Tik Tok, aí eu gravava o vídeo rimando, fazendo freestyle escondido das pessoas da aldeia, pra postar no Tik Tok.
Na época, eu bati 10 mil de seguidores fazendo isso, e eu não tinha Facebook, Instagram, era só no TikTok mesmo.
A galera começou a me acompanhar, parentes de outras aldeias, de outros povos, de outro estado.
Com isso, eu criei uma rede de contatos com outros artistas que já estavam fazendo rap há mais tempo e o pessoal me incentivava, dizia que era a maneira de mostrar a nossa cultura, a nossa realidade.
Foi assim que chegou o convite para eu me apresentar no ATL. Foram duas vezes, em 2022 e 2024.
Eu já tava desistindo, mas eu vi que tinha talento e entendi o rap como ferramenta pra gente mostrar a nossa cultura, a nossa realidade.
Porque aqui no nosso território tem desmatamento em torno do território. Nosso território, o Xingu, é só floresta aqui, mata alta dentro do território.
Aí quando você sai do território é só lavoura, parece um deserto ali. Somos uma ilha.
Isso me inspira muito, eu me inspiro nessas coisas, causa indígena.
Tu sente que as coisas mudaram, pelo menos aí dentro do Xingu, as pessoas estão olhando com mais respeito pro teu trabalho e pra essa conexão do rap com o movimento indígena?
Sim, exatamente. E quando eu apresentei pela primeira vez no ATL em 2022, meu tio, que era muito contra, falava mal da gente, mal de mim, que eu estava acabando com a cultura e tal, como eu falei, ele começou a me apoiar.
Por isso que eu falo que esse movimento intercultural, entre o rap e a cultura indígena, acontece porque acreditamos que conseguimos alcançar um grande público, indígena e não-indígena para conseguirmos apoio na nossa luta, entendeu?
Eu fui o primeiro a fazer rap aqui dentro do território indígena do Xingu, mas agora tem bastante rapaziada fazendo rap e no celular mesmo e tal, porque já tem internet em toda aldeia aqui no Xingu. Mas, na época que eu comecei, não tinha internet, era muito difícil , eu só conseguia baixar os beats, os vídeos de batalhas, músicas quando ia pra cidade.
Como foi a chegada na universidade?
Eu entrei em 2023 e foi muito difícil para mim. Era uma realidade bem diferente da minha. Quarto quadrado, enquanto aqui na aldeia é tudo aberto mesmo, tem pássaros para todo lado, é silêncio.
Então quando eu cheguei em Campinas, tive que me acostumar a morar sozinho. Realmente foi muito difícil no começo para mim. Eu chorava durante à tarde e tal.
Eu tive que ir me acostumando com tudo isso, com as coisas da cidade, barulho, as pessoas, ambiente, também a vida acadêmica, tudo era novidade para mim na cidade.
Comida também. Aqui nossa comida todo dia é peixe e beiju. Aí, quando eu cheguei na cidade, mudou tudo.
E o que te motivou para fazer essa mudança para Campinas, ingressar numa universidade, estudar letras, qual que foi o impulso para fazer essa transformação tão difícil para ti?
Foi pela poesia, literatura. Eu escrevo bastante contos, e eu sou um garoto muito apaixonado pela poesia, sempre falo de ser poeta, me permitir escrever o que não consigo dizer, entendeu?
E foi por esse motivo mesmo que eu escolhi letras, é um curso que me identifico, porque eu quero dominar a língua portuguesa.
E também eu tenho um sonho de voltar para cá na minha aldeia, na minha região e ajudar o meu povo. Talvez dando aula, talvez fazendo outras coisas, não sei.
Mas eu tenho um sonho: quero ser escritor, quero escrever bastante livros de poesia, esse é um sonho que eu tenho desde menor mesmo, desde pequeno.
E porque você se apresenta usando uma touca que cobre todo o seu rosto?
Desde que eu entrei no movimento de rap e tal, eu acho meio perigoso mostrar o rosto nas redes sociais, porque eu moro na região onde tem muitos fazendeiros, lavoura em torno do território. E como eu fico denunciando essas coisas, falando dos fazendeiros, dos garimpeiros, que estão tirando várias vidas…
Algo importante de ser falado é que, enquanto aqui a mãe chora pelo filho perdido, os caras do rap nacional estão ostentando ouro, corrente… E esse ouro é tirado da nossa região do nosso território e tem várias mães sofrendo, várias crianças sofrendo.
É horrível ver várias mães perdendo filhos, filhas, e os caras, enquanto isso, ostentando o ouro, corrente no pescoço e tal.
E falando de balaclava, eu não costumo mostrar o rosto, acho muito perigoso mostrar o rosto nas redes sociais, por conta da perseguição.
Mas agora eu estou começando a mostrar o rosto, estou começando a aparecer, mas tem bastante pessoas que ficam criticando porque eu acho que eles nunca viram indígena de Jordan, com marcas de roupa, com boné de marca.
Essas pessoas estão acostumadas a ver os indígenas com cocar e trajes tradicionais, mas quando veem um jovem indígena com estilo diferente não aceitam, não aceitam indígenas fazendo rap, poesia e outras formas de arte, dizendo que não temos mais a cultura.
Essa visão é limitada e não reconhece a evolução e a adaptação das culturas indígenas. Muitos jovens indígenas estão encontrando formas, novas formas de expressão que combinam suas raízes culturais com influências modernas.
O exemplo disso somos nós, aqui, artista do trap, indígena, do drill, um subgênero do rap, e esses artistas frequentemente usam balaclava e colares tradicionais, criando estética única que mistura tradição e modernismo.
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