É ‘frevendo’ no melhor estilo Carnaval pernambucano que a gente anuncia, com alegria, a presença de Flaira Ferro no Conversa Bem Viver . Cantora, compositora, dançarina e uma das vozes da nova geração da música pernambucana, ela nasceu no Recife e traz em sua música o frevo, o maracatu e outros ritmos do Nordeste, combinados com influências contemporâneas que ultrapassam fronteiras.
Flaira começou sua trajetória artística aos seis anos, como passista de frevo, dança que se tornou uma das marcas de sua identidade. Como ela mesma diz: “O frevo me encontrou antes de eu me encontrar. Eu comecei a dançar muito cedo, e ele me deu uma energia expectorante, de resistência e coragem.”
Antes de se firmar como cantora e compositora, ela já estava imersa nas tradições populares de Pernambuco. Sua música reflete essa jornada, misturando ritmos tradicionais com elementos do rock, pop e outros estilos internacionais, criando uma sonoridade única.
“Gosto da sensação de deslocar algo regional para um sentimento sem território. Acho incrível quando a música consegue comunicar símbolos e códigos de um lugar, mas sem se restringir apenas às pessoas que vivem ali. Como podemos fazer o som transcender, independentemente da região de onde ele vem”, afirma Flaira.
Com três álbuns lançados — Cordões Umbilicais (2016), Virada na Giraia (2019) e Revolver (2021) —, seus trabalhos celebram a cultura pernambucana e abordam temas como feminismo, maternidade e resistência política, sempre com uma abordagem poética.
Entre as suas parcerias estão nomes como Chico César e, agora, Lenine, na música recém lançada Afeto Radical, que estará no novo álbum, previsto para o final deste mês. “Eu sou muito fã dele. É uma pessoa que busca coerência na trajetória, e a música traz essa força e esse afeto que ele representa”, conta ela.
Para começar, Flaira, conta pra gente como surgiu essa parceria com Lenine. Não é a primeira grande parceria que você faz — a gente sabe de Chico César e outros nomes que sempre dão um pouco de carinho e amor ao seu trabalho. Mas com Lenine parece ser inédito, pelo menos em estúdio, né? Como foi esse convite?
Eu sou muito fã de Lenine. Já vi muitos shows dele ao longo da vida. Ele, sendo conterrâneo de Recife, sempre esteve presente na minha trajetória. Antes de ser cantora e compositora, eu já tinha uma relação forte com a dança, especialmente com o frevo. Sempre fui muito fã dele, daqueles artistas que tocam direto na alma.
A irmã dele, Teresa, que já faleceu, ia a muitos dos meus shows. Ela era uma entusiasta do meu trabalho, assim como suas sobrinhas, Flora e Sophie, que são próximas de mim. Flora é fotógrafa, e tenho um carinho enorme por elas. Além disso, o pai de Lenine era muito amigo do meu pai, então havia uma conexão familiar.
No Carnaval do ano passado, Lenine foi assistir ao meu show no Polo da Várzea. Foi um momento especial, porque ele abriu o coração, falou da irmã dele, que sempre elogiava meu trabalho, e me deu muitos parabéns. Naquele momento, senti que queria fazer algo com ele. Foi muito espontâneo. Mandei uma mensagem, ele topou na hora, gravou a voz no Rio de Janeiro, e a música ficou pronta.
Lenine é uma pessoa que tem essa força de ser radical, com um propósito muito claro, mas também com um afeto profundo pela vida. A música Afeto Radical traz essas duas qualidades, e foi um presente tê-lo nessa gravação.
Você falou de duas qualidades do Lenine que te inspiraram nessa parceria, mas eu queria trazer uma terceira: a atitude de resgatar a música tradicional, popular, como frevo, maracatu, forró, e desconstruir esses ritmos, colocando uma guitarra, por exemplo, e criando algo novo. Você se vê nessa descrição?
Completamente. Essa relação é muito forte, especialmente por nascer em Recife. Mesmo que você não queira, acaba entrando em contato com as manifestações da cultura popular, que estão presentes em todos os ciclos festivos da nossa cultura: no Carnaval, nos ciclos juninos, no Natal. Está tudo vivo ali — o bumba meu boi, o maracatu, o cavalo marinho, o coco de roda, o xaxado, a ciranda, o forró, o baião. Tudo isso está muito presente no território onde a gente nasceu.
Ao mesmo tempo, assim como Lenine, eu também tive acesso a muitas outras influências. Vivemos em um mundo onde tudo chega até a gente, principalmente hoje, com a digitalização da vida. Um som que está na China, na África ou na Europa chega aqui no mesmo instante em que é lançado. Por isso, acredito que temos essa dupla relação: temos um lugar de origem, e isso fica muito claro no nosso som, mas também nos misturamos, nos dissipamos e nos conectamos com outros interesses sonoros. Essas outras influências também preenchem nossos desejos e ampliam nossas possibilidades.
Eu sou fã de guitarra e de rock. Amo rock ‘n’roll e escutei muito por influência do meu pai. Não vejo isso como uma desconstrução, mas como uma continuação. É algo que está aqui, e você não precisa negar ou desconstruir. Você simplesmente constrói em cima, ampliando as possibilidades de criar música.
Gosto da sensação de deslocar algo regional para um sentimento sem território. Acho incrível quando a música consegue comunicar símbolos e códigos de um lugar, mas sem se restringir apenas às pessoas que vivem ali. Essa é uma pesquisa que me interessa: como fazer o frevo chegar e soar bem aos ouvidos de alguém que nunca esteve em Recife ou nunca viu uma orquestra de frevo. Como podemos fazer o som transcender, independentemente da região de onde ele vem.
A música Afeto Radical começa com um trecho forte: “Os meios perderam os modos e o mundo perdeu o pudor para fazer guerra e alimentar o terror, cansei, cansei, cansei”. De onde veio essa inspiração?
Eu tinha acabado de ter meu bebê. Sou mãe de um menino de dois anos e meio, e naquele período, estava mergulhada na experiência da maternidade, entendendo essa relação profunda que se constroi no corpo e no afeto. É algo muito visceral. Quem é mãe, especialmente quem pariu, consegue entender a dimensão do que estou falando. Era um mergulho intenso, enquanto eu descobria e desvendava aquele serzinho nos meus braços, amamentando e cuidando.
Ao mesmo tempo, eu acompanhava as notícias do mundo: o caos na Ucrânia, a guerra na Palestina, a polarização política no Brasil, a dificuldade de diálogo, os meios de comunicação sem filtro, expondo imagens violentas, e a própria população repostando conteúdos agressivos. Era uma agressividade escancarada.
Fiquei refletindo sobre como o ser humano chega a esse ponto. Eu estava ali, com um bebê nos braços, que representava uma possibilidade nova de inaugurar um mundo, enquanto olhava para o mundo atual, cheio de conflitos. Fiquei nesse contraste: como a gente nasce tão inofensivo e vai se tornando uma criatura bélica, intolerante, cheia de preconceitos?
Nessa reflexão, eu me dei conta: “Cara, eu cansei desse mundo proposto pelo sensacionalismo das grandes mídias e dos influenciadores, que buscam atenção a qualquer custo, seja por likes, por ego mal resolvido ou por uma psicologia que o mundo ainda precisa enfrentar.”
Foi desse lugar que eu pensei: “Vamos inverter essas lógicas.” Será que podemos transformar a trama do faroeste no rosto de um brincante, de um caboclo de lança? Ou seja, canalizar essa energia mal resolvida, que fica só falando de guerra e violência, para criar beleza, arte, fantasia e trazer ludicidade para a vida.
Lembrei de uma frase que vi na internet e gosto muito: “Em uma sociedade sem cultura, a violência vira espetáculo.” É um pouco disso. Se a gente não aprende a elaborar nossas dores e angústias por meio da arte e da criação, a violência acaba se tornando o espetáculo da televisão, das mídias e até da nossa família.
Foi um vislumbre, um desejo de encontrar outra forma de ser gente no mundo. E essa música, preciso dizer, é uma parceria. Não é só minha. Foi feita com Lucas Dan, um grande músico paraibano, meu companheiro, que está muito presente nesse disco. Ele foi fundamental no processo de criação desse trabalho.
Você encontrou no frevo um canal para debater e ampliar o feminismo no Brasil?
O frevo me encontrou antes mesmo de eu descobrir quem eu era ou o que queria dizer. Minha trajetória começou como passista e brincante dos carnavais. Comecei a dançar muito cedo, aos seis anos, quando entrei na escola municipal de frevo. Naquela época, eu não fazia ideia de que a arte se tornaria minha profissão. A música veio muito tempo depois.
O que sinto, desde o início até hoje, é que o frevo me dá uma energia expectorante, como eu costumo dizer. O frevo tem uma força vital de resistência e coragem. Sua história nasce do desejo de não ter medo, criado pelo povo marginalizado no final do século XIX, em um contexto de grandes transformações: a proclamação da República, a abolição da escravatura, o êxodo urbano de negros, indígenas e outras pessoas que migravam para o centro do Recife durante a urbanização da cidade, impulsionada pela Revolução Industrial.
O frevo surgiu nesse ambiente de tensão, em uma época de transição e aceleração da vida. Ele nasceu da classe trabalhadora como uma forma de resistir e encontrar identidade diante dos sistemas de opressão. Aprendi a dançar essa dança que carrega essa história de abrir caminhos. O frevo se manifesta no corpo como algo catártico, que exorciza e liberta.
Isso influenciou minha compreensão de mundo e minha relação com as letras das músicas. Acredito que a música acontece primeiro no corpo, não no instrumento. Ela começa nas águas internas, no nosso ser. Por isso, minhas composições e ideias não podem estar dissociadas de um corpo que dança frevo, que cresceu nessa energia de expansão e coragem.
O frevo me ensinou sobre expansão, coragem e resistência. Ele é, por si só, uma manifestação política da alegria, uma forma de contentamento e de não sucumbir. No meu último single, Revolver, eu dizia: “Cidade triste é fácil de ser corrompida, no contraste aqui da guerra, arte.” Essa frase reflete um pouco desse lugar de onde venho. Vejo o frevo como uma ferramenta poderosa de emancipação.
Qual é o seu conceito de brincar, brincadeira, brincante?
O brincante é aquele artista popular que não se define como cantor, compositor ou dançarino, mas como alguém que brinca. É uma relação de prazer, de conexão com o sentido primordial da arte. O brincante vem dos artistas do povo, que não segregam as funções, mas vivem a brincadeira como um todo.
Afeto Radical já deu um gostinho, mas quando sai o álbum completo? Já tem nome?
O nome do disco é o mesmo do single que lançamos: Afeto Radical. Ele está previsto para sair no final de março. Assim que o Carnaval passar, vamos começar a divulgar mais detalhes sobre o álbum completo. Estou muito feliz em entregar esse trabalho, que levou dois anos de dedicação. Ele carrega o tempo do meu filho, então é um disco que está imerso nesse mergulho da maternidade, mas não se restringe a esse tema. Vou falar de vários assuntos, e há muitas coisas por vir, incluindo faixas com participações especiais de outros artistas.
Posso adiantar que há duas grandes artistas nordestinas envolvidas. No total, são 11 faixas que estarão disponíveis no final de março para compartilhar com todos. O disco conta com produção musical de Guilherme Castrupe e arranjos dirigidos por Henrique Albino. Temos um time de peso, com participações como Dora Morelenbaum, responsável por um dos arranjos de cordas, e Vanessa Moreno, que faz backing vocal em uma das faixas. Ela é uma grande cantora de São Paulo.
Já estou revelando algumas coisas, mas ainda tem mais por vir. É isso! Estou muito feliz em poder mostrar esse trabalho logo, logo para o povão.
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