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A partir do barro, artista indígena cria peças que denunciam ‘craquelamento’ da terra pelo agronegócio

De Goiânia, Sallisa Rosa está em exposição no Sesc Pompeia, em São Paulo, com entrada gratuita

Em cartaz no Sesc Pompeia, região central de São Paulo (SP), a exposição Eixo Terra, de Sallisa Rosa, é resultado da percepção da artista sobre como os recursos naturais estão se esgotando e alterando o eixo de rotação do planeta.

“Às vezes, quando a gente pensa em aquecimento global, a gente está pensando no gelo derretendo. Mas essa água que está dentro do planeta, no lençol freático, é justamente a água que é usada no processo de irrigação de produção de alimento, que é a água usada pelo agronegócio”, explica em entrevista ao Conversa Bem Viver desta quarta-feira (19). “O processo de irrigação tira gigatoneladas de água de um lugar e joga em outro. E isso poderia estar afetando o eixo de rotação da Terra.”

“A exposição foi feita como uma provocação muito grande pra gente pensar nesse craquelamento, na desertificação, nas voçorocas que estão acontecendo no Brasil em várias partes. Isso tudo tem relação com essas águas subterrâneas.”

Construídas a partir de barro e água, as obras em exposição foram feitas enquanto a montagem era construída, de modo que os visitantes pudessem acompanhar o processo. Os trabalhos são constituídos por tijolo de adobe, pau a pique, taipa de pilão e hiperadobe.

Natural de Goiânia (GO), Sallisa Rosa atualmente é residente artística na Rijksakademie, em Amsterdã. Já realizou exposições individuais, como na Pinacoteca de São Paulo (2024) e no Museu de Arte Moderna (MAM) Rio de Janeiro (2021), além de participar de importantes mostras coletivas, incluindo Social Fabric: Art and Activism in Contemporary Brazil em Austin, Texas, nos Estados Unidos, e Histórias Brasileiras e Histórias Feministas no Museu de Arte de São Paulo (MASP).

Em 2021, foi premiada com o Príncipe Claus Seeds Awards, e seu trabalho foi destacado na Trienal do Serviço Social do Comércio (Sesc) em Sorocaba (SP). A artista também integrou a coletiva Dja Guata Porã: Rio de Janeiro Indígena no Museu de Arte do Rio (MAR), em 2017.

Confira a entrevista na íntegra

Como foi constituído a ideia da exposição?

O trabalho está relacionado com uma matéria que eu li em um artigo científico, na verdade, na revista Science, há uns dois anos. Eu não sou cientista, mas me senti provocada pelo artigo que falava do movimento das águas internas do planeta, que isso é muito relacionado com o lençol freático.

Eu fiquei muito intrigada com isso, porque, às vezes, quando a gente pensa em em aquecimento global, a gente pensando no gelo derretendo, e essa água que está dentro do planeta, que é uma coisa muito invisível, é justamente a água que é usada no processo de irrigação de produção de alimento, que é a água usada pelo agronegócio.

Esse artigo falava da possibilidade de mudança de peso do planeta porque o processo de irrigação tira gigatoneladas de água de um lugar e joga em outro. E isso poderia estar afetando o eixo de rotação da Terra.

Então chama Eixo Terra para pensar nessa provocação de como que a humanidade está desequilibrando esse eixo do planeta.

A exposição foi feita como uma provocação muito grande pra gente pensar nesse craquelamento, na desertificação, nas voçorocas que estão acontecendo no Brasil em várias partes. Isso tudo tem relação com essas águas subterrâneas.

Você percebe que as pessoas têm captado a mensagem dos seus trabalhos?

Uma vez eu fiz, quando eu fiz essa residência em Belo Horizonte, o objetivo era fazer uma horta de mandioca.

Foi muito doido porque eu lembro que eu postei no Facebook e eu não conhecia ninguém na cidade e apareceram 100 pessoas querendo plantar a mandioca.

Então eu acho que as pessoas têm uma necessidade muito grande, especialmente na cidade, de entrar em contato com a Terra e de aprender essas coisas que a gente esqueceu.

Eu acho que faz muito mais sentido fazer isso em São Paulo, especialmente, porque é uma cidade muito concreta, e as pessoas estão muito interessadas nisso.

Você fala também que sua obra tem um resgate de memórias. Ao que você se refere?

A minha avó se chama América justamente. Eu sempre fiz muita relação da minha avó América com o continente América.

A minha avó é grande, ela é farta… Quando a minha avó foi diagnosticada com o Alzheimer eu tive muita dificuldade de lidar.

A partir daí eu comecei a pensar em memória de outro jeito, fazendo uma relação da memória da minha avó América com a memória coletiva do continente América.

Eu acho que tem uma questão da memória coletiva no Brasil, que não é específica da minha família, mas de muitas famílias, que é essa coisa de não ter acesso à sua memória e de perder a memória de alguma maneira.

Então eu comecei a trabalhar pensando como que eu poderia guardar essa memória, essa pouca memória que restava pra mim, pra minha família.

A forma que eu encontrei de cuidar dessa memória foi colocar essa memória na terra.

Então, o meu processo de trabalhar com a cerâmica é muito artesanal, usando sempre só as mãos e mentalizando isso, as lembranças e as recordações de colocar ela nessa terra.

Ao mesmo tempo, eu acho muito forte o fato de uma pessoa lá do Centro-Oeste, uma pessoa racializada, ter esse nome porque nasceu no dia 12 de outubro, que é o dia que foi invadida essa terra.

É uma forma de pensar a minha avó como um território, a América como um território

Eu sou de uma geração que as avós tiveram que trabalhar muito e lutar muito para a gente conseguir um pouquinho. Então eu falo que agora eu estou fazendo esse trabalho de lembrar o que essa geração teve que esquecer. Porque muita gente, muita coisa, a gente não sabe porque são histórias de violência.

Então eu estou fazendo esse trabalho de neta, que é esse trabalho de lembrar, e eu acredito que a Terra ajuda a gente a lembrar.

Quando o arqueólogo encontra, sei lá, um pote, uma cerâmica, tem toda uma história atrás desse pote, dessa cerâmica, e eu acho que entrar em contato com a Terra, que é essa memória muito antiga, ajuda a gente a lembrar também.


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