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Nova secretária das mulheres do Ceará afirma que interiorização das ações da pasta é prioridade de sua gestão

Lia Gomes conversou com o Brasil de Fato sobre as ações desenvolvidas pela Secretaria das Mulheres do Estado do Ceará

Neste mês março, mês de luta das mulheres, o Brasil de Fato conversou com a secretária Lia Gomes, da Secretaria das Mulheres do Ceará, para saber mais sobre as ações desenvolvidas pela secretaria em relação à garantia de direitos das mulheres, proteção e ações voltadas para elas.

Confira a entrevista:

Brasil de Fato: O 8 de março já está se aproximando. Quais atividades a Secretaria das Mulheres está planejando para o Dia Internacional de Luta das Mulheres e para o mês de março?

Lia Gomes: Nós temos uma agenda bem extensa, inclusive, eu não vou dar conta de todos os convites que eu recebi, porque muitas pessoas querem marcar o evento para o Dia da Mulher e a gente acaba, por limitação de horas, não conseguindo ir a todos os eventos, mas vários municípios vão fazer eventos em parceria com a gente, com as nossas casas da mulher. Nós vamos lançar também um material publicitário para ser usado durante todo o mês.

Eu ainda não tinha completado nem um mês aqui na secretaria e nós já fizemos uma campanha contra a importunação sexual no Carnaval. Foi desenvolvido um material com esse fim específico, mas a gente pretende desenvolver um material publicitário gráfico que seja permanente, até porque estamos pensando numa cartilha, que foi uma ação que nós fizemos quando eu estive à frente da Procuradoria da Mulher, na Assembleia Legislativa do Estado do Ceará, e lá desenvolvemos duas cartilhas, uma voltada para as mulheres e a outra voltada especificamente para os homens com informações objetivas do que eu, enquanto homem, posso fazer para não contribuir com essa cultura ainda muito machista, que objetifica, que considera que a mulher é uma propriedade do homem.

O que é o Programa Ceará por Elas?

O eixo principal do Programa Ceará Por Elas é conseguir essas parcerias com as prefeituras para a gente interiorizar. O que é que existia antes do Ceará por Elas? A gente tinha apenas dez delegacias de defesa da mulher e quatro casas da mulher, uma brasileira, que fica em Fortaleza e três cearenses que ficam em Juazeiro do Norte, Sobral e Quixadá. Então, o grande mérito, a grande conquista do Ceará Por Elas foi essa interiorização, a abertura de várias casas municipais.

O Ceará, no governo do estado, para efeito administrativo, é dividido em quatorze microrregiões, e nós vamos, ao final de 2026, deixar dez dessas quatorze com uma Casa da Mulher Cearense e Brasileira. Este ano vamos entregar mais três Casas da Mulher Cearense e no ano que vem vamos entregar, se tudo der certo, se Deus quiser, mais três Casas da Mulher Brasileira, totalizando dez casas da mulher ao todo.

Qual a importância de espaços como a Casa da Mulher Municipal, a Casa da Mulher Cearense e a Casa da Mulher Brasileira?

Esses espaços são fantásticos. Seria um mundo ideal se a gente fizesse parte de um estado rico, no caso, nós não somos, e por isso eu dou muito valor ao grande trabalho que vem sendo feito desde que o ex-governador Cid Gomes, no governo da Dilma, conseguiu trazer para cá a primeira Casa da Mulher Brasileira, que foi inaugurada pelo governador ex-governador Camilo. Depois essa política foi dada continuidade pela ex-governadora Isolda Cela, e agora, o governador Elmano está dando esse grande incremento de mais seis casas da mulher, três com recursos exclusivamente do nosso estado, porque pegou uma época que o governo Bolsonaro suspendeu o programa que tinha iniciado no governo Dilma, que expande esse programa importante da casa da mulher, e aí ele foi retomado agora, por isso que a gente tem dois tipos de casa, a gente tem a Casa da Mulher Cearense e a Casa da Mulher Brasileira, que é em alusão a quem está financiando o programa.

Quando o governo Bolsonaro suspendeu o programa, o governo do estado resolveu lançar essas três casas a mais da mulher cearense, e agora o governo Lula mandou aqui para o Ceará mais três Casas da Mulher Brasileira, que serão construídas com recurso federal.

Essas casas são muito interessantes porque são equipamentos completos. A mulher, quando chega lá, é atendida, acolhida por uma equipe multidisciplinar, tem um atendimento psicossocial, elas vêm muito adoecidas psicologicamente e são acolhidas por psicólogas. As casas funcionam 24 horas, porque a gente sabe que a violência contra as mulheres aumenta muito à noite, que é a hora que o agressor chega em casa, e nos finais de semana pelo mesmo motivo, porque o agressor está em casa, e também pelo abuso do álcool nos finais de semana, por isso elas funcionam 24 horas.

Dentro delas está tudo, a delegacia de defesa da mulher, que ela pode pedir uma medida protetiva, fazer um boletim de ocorrência, lá também tem a defensoria pública, caso essa mulher precise de um advogado gratuito, tem o tribunal de justiça, tem a parte de autonomia econômica.

A gente diz muito que o psicossocial é a porta de entrada e a autonomia econômica é a porta de saída dessa mulher, e que lá dentro ela consegue fazer cursos para que ela adquira uma profissão e possa ter o seu sustento.

Esses serviços que você informou, são os mesmos serviços ofertados na casa da mulher municipal, ou lá são outros serviços?

A Casa da Mulher Municipal é bem menor. Essas casas, para você ter uma ideia, custam cerca de cinco ou seis milhões de reais por ano e elas custam nove milhões de reais para construir, então são equipamentos bem caros que pela realidade econômica dos municípios cearenses as prefeituras não têm como manter. Então, elas são equipamentos que visam essa primeira fase do acolhimento, mas elas não têm órgãos como defensoria, tribunal de justiça, ministério público, a própria delegacia de defesa da mulher, mas em muitas delas funcionam também a questão da autonomia econômica.

O foco delas é esse acolhimento inicial, uma orientação jurídica, como conseguir uma medida protetiva, fazer um acompanhamento.

A gente abre também a casa da mulher para mulheres em geral que queiram abrir um pequeno negócio. A gente tem aqui outro programa que eu esqueci de falar que é o Ceará Credi Mulher, que consegue proporcionar para as mulheres pequenos empréstimos que variam desde R$500 para uma mulher, por exemplo, que queira cozinhar dentro de casa, vender algum tipo de alimento possa iniciar um negócio, comprar os utensílios, o forno, uma batedeira até um financiamento de R$15 mil, que é para, por exemplo, grupos de mulheres que queiram abrir um ateliê de costura, uma padaria, um pequeno negócio, e elas consigam, com esse recurso a juros baixos, abrir um negócio, ou incrementar, melhorar aquele negócio que elas já têm.

Foto: Secretaria das Mulheres do Estado do Ceará.

Onde as pessoas podem pegar mais informações sobre esses espaços e os serviços ofertados neles?

Foi lançado, se eu não me engano, ano passado, um site que chama Portal da Mulher. Lá tem todas essas informações dos nossos programas, dos nossos projetos, dos endereços das casas, para que as pessoas possam acessar essa rede de proteção.

Lia, você tomou posse como nova secretária da Secretaria das mulheres no dia 30 de janeiro. Quais são as expectativas para os próximos anos à frente da secretaria?

A gente planeja a longo prazo, mas o mandato do atual governador Elmano acaba no final de 2026, então, a nossa proposta é conseguir entregar primeiro essas três casas da mulher este ano, depois mais três casas da mulher no final de 2026 até o final de 2026.

A gente está planejando uma parceria, mas ainda não sei se vai dar certo, com o Sana [Super Amostra Nacional de Anime], para a gente buscar atingir um público diferente, já no espírito da prevenção, porque a gente não pode ficar só nessa questão das casas, buscando atender, a gente tem que procurar com que a geração futura esteja alertada sobre os primeiros sinais de relacionamento abusivos. Os agressores não começam com um tapa, um empurrão, senão nenhuma mulher iria se relacionar com pessoas violentas, abusivas, ele começa, geralmente, como um príncipe encantado, um homem que elogia demais, que diz que nunca conheceu uma mulher tão maravilhosa como a que ele está ali.

Mas existem pessoas que estudam notadamente. Os psicólogos já traçam um perfil desse abusador. Que esses que começam com muito exagero de elogio, de gentilezas, mas, no desenrolar do relacionamento, tem as pequenas coisas que começam a aparecer, os pequenos sinais, por exemplo, começar a tentar isolar a mulher tanto da família como dos amigos, começa a dizer que aquela amiga é uma má influência, que aquela amiga não gosta dele e que, portanto, não tem que ser chamada para os eventos onde eles estão, começa a criticar a roupa, começa, às vezes, a mandar a mulher trocar de roupa, começa a mostrar um ciúme excessivo.

Na nossa cultura, o ciúme ainda é visto muito como uma manifestação de amor, de carinho, tem aquela história de “quem tem ciúme é porque ama”, e a gente tem que desmistificar isso, porque o ciúme sendo pouquinho, numa medida certa, é normal, mas o ciúme não pode partir para aquele de exigir senha do WhatsApp, exigir que a mulher remova determinados conteúdos das redes sociais, pedir a senha do celular para olhar, proibir a mulher de sair com determinadas roupas, de sair com as amigas.

Então, a gente quer, com essas ações voltadas para o público jovem, que a gente faça essa conscientização das bandeiras de alertas.

A mulher, quando entra num relacionamento abusivo, dificilmente ela fica restrita a sofrer só um tipo de violência. A Lei Maria da Penha traz, para além da violência física, que é muito fácil de ser identificada, ela traz a violência psicológica, que é essa que tenta desmerecer a mulher, que diz que a mulher é gorda, é feia, que ela é incapaz de sobreviver sem esse agressor, que monitora, que quer saber, que liga, que vai para a porta da academia pra ver com quem a mulher está, a mulher diz que vai sair com as amigas e ele chega no local, ou fica telefonando insistentemente, tentando acompanhar a rotina. Isso é considerado crime, é violência psicológica, que a Lei Maria da Penha traz.

A gente tem também a violência moral, que é aquela onde o agressor pratica injúria, calúnia e difamação. Nós temos a violência sexual, que muitas pessoas acham que as mulheres, por serem casadas, por estarem num relacionamento, elas são obrigadas a se submeter a, por exemplo, praticar coisas que elas não concordam, ou por motivos religiosos, ou de fórum íntimo mesmo, é aquele agressor que proíbe a mulher de tomar um anticoncepcional, que retira a camisinha sem o consentimento da mulher.

E para finalizar, a violência menos conhecida, que é a patrimonial, que é o caso do agressor que destrói um documento, que destrói uma carteira de trabalho que a mulher usa para conseguir um emprego, que destrói o celular, que hoje é instrumento indispensável para qualquer tipo de trabalho, que pega o cartão da mulher e faz um empréstimo no nome dela no banco, sem o consentimento dela. Tudo isso é considerado crime e a gente observa nessas nossas ações de palestras que existe um bom retorno. Muitas mulheres já se veem nessa situação de violência, e para você chegar ao ponto de denunciar, o primeiro passo é você se reconhecer como uma pessoa que sofre violência.

O que a população pode esperar da sua gestão?

O meu principal foco é a interiorização, por esses motivos que eu falei, de ter muitos equipamentos aqui na nossa capital, que é onde fica a sede da secretaria, mas a gente precisa tentar chegar nessas mulheres. Muitos municípios do Ceará não têm delegacia da mulher, então às vezes essas mulheres estão completamente abandonadas, têm limitações financeiras, sem saber onde buscar ajuda. Acho que o nosso foco principal tem que ser abrir equipamentos no interior do estado. Então, o meu foco é esse, é interiorizar a política nos mais diversos aspectos.

Quando a gente abre essas casas municipais, elas passam a ser um ponto de referência para atender as mulheres que já estão em situação de violência, a gente dá uma formação para que essas casas passem a fazer palestras nas escolas, nos sindicatos, na zona rural sobre a Lei Maria da Penha. A Lei Maria da Penha é muito conhecida, mas se você perguntar quais são os cinco tipos de crimes, ou perguntar se algumas ações são crime, as mulheres não sabem, acredito que informação é poder. E trabalhar também na disseminação de cursos e crédito para essas mulheres que estão espalhadas no nosso estado.

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