No dia 7 de março, o governo federal anunciou a entrega de mais de 12 mil lotes de terra para famílias acampadas em 24 estados brasileiros. Em nota, o MST afirmou que a decisão do governo federal representa uma conquista, mas destaca que ainda há um longo caminho para a reforma agrária. Mas o que ainda há para avançar em relação a reforma agrária? Qual o impacto desse anúncio feito pelo governo federal? Como está o processo da reforma agrária no Ceará? Para responder essas e outras perguntas o Brasil de Fato conversou com Erivando Santos, Superintendente do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), no Ceará.
Confira a entrevista:
Brasil de Fato: O que é a reforma agrária?
Erivando Santos: A reforma agrária é uma política de democratização da terra. Existem algumas modalidades de aquisição da terra para ser destinado para fins de reforma agrária e a reforma agrária é o governo agindo, tirando a propriedade do latifúndio, a propriedade privada improdutiva. Também desmistificar essa ideia de que o governo toma a terra do proprietário e passa para os agricultores. Não é assim que funciona. A Constituição Federal, o Estatuto da Terra e a Constituição Federal, no artigo 186, inclusive determina que toda propriedade que não esteja cumprindo a sua função social deve ser destinada para fins de reforma agrária, inclusive, o governo deveria fazer isso de forma automática.
O governo, através do Incra, faz um processo de fiscalização nesses imóveis e, identificando que esses imóveis não cumprem a sua função social, e a função social pode ser do ponto de vista produtivo, do ponto de vista ambiental e trabalhista, tem os requisitos que caracterizam o cumprimento ou descumprimento da função social da propriedade, e uma vez ela não cumprindo, ela deve ser desapropriada para fins de reforma agrária.
Tem muitas fake news a respeito da reforma agrária? Quais são os maiores desafios para informar a população sobre o que é ou sobre como é a ação da reforma agrária? E quais os desafios para o avanço nessa política?
Primeiro, há uma inverdade de que a reforma agrária é uma política cara ao país e que a reforma agrária não dá retorno, retorno que eu quero dizer é o retorno econômico, porque às vezes as pessoas estão pensando só numa perspectiva comercial. Há quem diga que “um proprietário ou uma propriedade ‘x’ produzia tantas toneladas de leite por dia e hoje, no assentamento, ninguém vê isso”. A reforma tem uma outra perspectiva.
A reforma agrária está numa perspectiva de produzir para garantir a segurança alimentar das famílias e produzir para o mercado interno, porque a reforma agrária não é só a produção de subsistência. Hoje, temos assentamentos, inclusive no Ceará, que são referências, do ponto de vista da produção e organização. Nós temos assentamentos que desenvolvem o processo de agroindustrialização da sua produção, por exemplo, Quixeramobim, no assentamento Nova Canaã, nós temos uma agroindústria do leite, que organiza o leite da região dos assentamentos e hoje já produz vários derivados do leite, beneficiando esse produto e colocando nas prateleiras dos supermercados, assim como, fazendo a comercialização para as compras públicas do governos como o PAA [Programa de Aquisição de Alimentos], Pnae [Programa Nacional de Alimentação Escolar].
Eu acho que esse talvez seja um grande desafio da reforma agrária, se colocar para a sociedade nessa possibilidade, de que ela é uma alternativa, de que ela garante a melhoria da vida das pessoas.
O governo federal anunciou a entrega de mais de 12 mil lotes de terra para famílias acampadas em 24 estados brasileiros. O Ceará é um desses estados?
Sim. Ele está se referindo a assentamentos novos nesse governo e nós já tivemos o assentamento Tingui, e nós estamos na fase de conclusão para fazer aquisição de mais quatro propriedades que serão entregues. A previsão é que seja ainda para este ano.

De acordo com notícia divulgada pelo Brasil de Fato, as entregas anunciadas pelo governo federal atenderão a 10% da demanda por terra para a agricultura familiar no país, que conta com 120 mil famílias acampadas, segundo dados do Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST). O que esses dados representam?
Para nós, governo, esses dados representam desafios. Os dois governos que antecederam o nosso governo, o governo atual, não fizeram reforma agrária, naturalmente, isso foi criando uma demanda represada que nós temos que dar conta agora. Então, para nós isso representa um desafio e o governo está disposto e comprometido a enfrentar essa demanda. E é assim que nós estamos fazendo.
É bem verdade que a demanda dos movimentos sociais, em especial do MST é maior do que a capacidade de atendimento do governo, e isso é natural. A demanda social sempre vai estar acima daquilo que o governo está atendendo, mas não significa dizer que nós não estamos fazendo. Nós estamos.
Qual é o papel do Incra nessa luta pela reforma agrária?
O papel do Incra é executar a política de reforma agrária, é desapropriar, é garantir o crédito, é lutar pela assistência técnica. O Incra está dentro do governo, disputando orçamento para garantir a reforma agrária, fazer a regularização das famílias, regularização de lotes e garantir crédito para que as famílias venham a produzir.
Como é que está o diálogo entre Incra e MST em relação à demanda de terras para agricultura familiar no estado do Ceará?
O MST tem demandado para o Incra. Nós temos tido reuniões quase que periodicamente. Nós temos um bom diálogo com o MST no Ceará, com a Fetraece [Federação dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares do Estado do Ceará], com os sindicatos, que tem nos demandados demanda de terras, então a gente tem construído uma boa relação, um bom diálogo e os movimentos têm demandado para o Incra e a gente está trabalhando.
Na madrugada do dia 13 de março, o MST ocupou área no perímetro irrigado do Tabuleiro de Russas, localizado no município de Limoeiro do Norte. A ação reuniu mais de duzentas famílias com o objetivo de debater a reforma agrária na região. Nessa mesma ocupação, no dia 14 de março, o MST denunciou a tentativa violenta de despejo ilegal e você esteve no local. Como o Incra vem acompanhando esse caso?
No dia 13 de março o MST faz uma ocupação e nós tomamos conhecimento desse ocorrido. Pelo que se sabe, aquela ocupação fazia parte de uma agenda nacional do MST, por ser o mês de março, o mês conhecidamente, dedicado à luta das mulheres.
O MST no Ceará fez a ocupação com o objetivo de discutir a reforma agrária, de cobrar do governo a política de reforma agrária e outras demandas, mas, em especial, o foco ali era a terra. O MST fez uma ocupação em um perímetro, em uma área que não estava, ou que não está em uso e ali passou a reivindicar parte daquela propriedade para que se coloque à disposição da reforma agrária, para que as pessoas possam produzir.
Quando nós fomos contactados, buscamos, inclusive, contato com o Dnocs [Departamento Nacional de Obras Contra as Secas]. Nos reunimos naquele mesmo dia, no dia 13, para buscarmos construir um diálogo com o MST.

O Incra se colocou como mediador para que houvesse a desocupação e houve uma reação dos irrigantes da região, não só da região, mas houve toda uma movimentação do setor do agronegócio no Ceará, articulado pela Faec [Federação da Agricultura e Pecuária do Estado do Ceará] que buscou fazer pressão para que as famílias viessem a sair do Tabuleiro de Russas, inclusive, com ameaças de que iriam tirar aquelas famílias à força. E aí nós ficamos muito preocupados com isso, porque o nosso papel, o papel do governo é, de fato, mitigar esses conflitos no campo e nós sabemos que a demanda que o MST apresentava ali era legítima.
Fizemos contato com o governo do estado, e aí o governo foi importante naquela mediação, inclusive, levando as forças de segurança para o local para garantir a segurança de todos, fosse dos acampados ou dos irrigantes que buscavam retirar os acampados à força.
De fato, estive no local. Tinha ali uma grande quantidade de proprietários daquela região para fazer a tentativa da retirada das famílias à força, mas nós construímos uma negociação, abriu-se uma mesa de negociação e foi feito uma tratativa, assumido alguns compromissos a partir do Dnocs, que era de estabelecer essa mesa de negociação para tratar da demanda do MST, e o movimento, naquele momento, saiu, retirou o acampamento do Tabuleiro de Russas nesse compromisso de que o governo estaria aberto para discutir a sua pauta, em especial o Dnocs.
E houve o agendamento uma reunião para o dia 20 de março que nós participamos. Tivemos uma reunião como desdobramento daquele processo e a pauta hoje está com o Dnocs e o governo do estado está discutindo também, se colocando à disposição para construir parcerias para, assim, atender às demandas do movimento, daquele movimento das mulheres dos dias 13 e 14 de março.
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