Ouça a Rádio BdF

Agroecologia é resistência popular no Acampamento Marielle Vive, em Valinhos (SP)

São cerca de 700 famílias em transição agroecológica ameaçadas pela especulação imobiliária

Há mais de dois anos, cerca de 700 famílias do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) seguem transformando o cenário ocioso da antiga Fazenda Eldorado, no município de Valinhos (SP), em terras produtoras de alimentos saudáveis e agroecológicos. Era 14 de abril de 2018, quando o acampamento Marielle Vive foi criado, um mês após o assassinato da vereadora carioca Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes, no Rio de Janeiro. 

O Marielle Vive passou a exaltar também a vida de um dos seus moradores, o pedreiro Luís Ferreira da Costa. Ele foi brutalmente assassinado em 18 de julho de 2019, enquanto participava de um protesto pacífico para cobrar o direito de acesso à água. O crime faz parte de um contexto de violências relatadas pelas famílias do acampamento no entorno repleto de condomínios de luxo. O assassino de Seu Luís, Leo Luiz Ribeiro, responde em liberdade, morando nas proximidades do local do crime. 

Do luto para a luta, o Marielle Vive encara ainda mais desafios para manter sua existência. A terra de 130 hectares, que hoje se recupera pelos princípios agroecológicos, está ameaçada de ser tomada pelo concreto da especulação imobiliária. A partir do próximo ano, uma decisão judicial em segunda instância pode ordenar o despejo das famílias. 


As cerca de 700 famílias trabalham e se organizam para permanecer no local / MST/SP

Por outro lado, o acampamento demonstra, dia a dia, seu projeto para se transformar em assentamento e garantir o direito à terra, preservação ambiental e diminuição das desigualdades sociais e econômicas na região. Um exemplo é a horta coletiva mandala, que possui 1000 metros quadrados, como explica Tassi Barreto, militante do MST-SP.

“É fundamental para esse processo de organização interna e também para demonstração do que queremos com aquela terra com a conquista do assentamento. Ela [horta] contribui do ponto de vista da formação interna, tanto no aspecto da agroecologia, mas também no processo da experiência do trabalho coletivo, do trabalho cooperado. E ela também é uma demonstração, então, do que que pode ser produzido nessa área  da fazenda, que estava abandonada e à mercê do capital imobiliário especulativo”, analisa Tassi.


A horta foi criada em espaço que funcionava como campo de futebol / Julio Matos

Além da horta mandala, a cozinha coletiva fornece todas as refeições desde o primeiro dia do acampamento. A própria produção da horta abastece os pratos que são preparados diariamente. O trabalho de menos de três anos já recuperou nascentes e implantou novas propostas alimentares entre as famílias acampadas. Além disso, a produção excedente é doada para outras famílias e hospitais da região. 

O sentimento de grupo no local alimenta as propostas e sonhos que indicam conquistas para além das cerca de 700 famílias. Suely Moreira, mais conhecida como Suely da Produção, é moradora do Marielle Vive. Ela cita que o território funciona como uma grande escola de conhecimentos agroecológicos, em parceria com organizações como instituições de ensino e movimentos sociais. A defesa da vida está nas bandeiras políticas e também nas práticas cotidianas entre as pessoas, a biodiversidade e as gerações futuras.

“Preservar o meio ambiente, aprender a buscar na natureza a nossa fonte de energia, alimentação saudável para nossos pequenos. Isso é o que a gente tá praticando aqui no acampamento. Estamos aprendendo bastante, e o caminho nosso é esse, não vejo outro caminho. Seria a agroecologia o princípio da vida”, explica Suely.  


Conhecido por sua solidariedade, Seu Luís nasceu em Cariri, no Pernambuco, e era pai de oito filhos / Foto: Arquivo Pessoal

No dia 02 de novembro de 2019, foi inaugurada a Escola Popular Luís Ferreira no local. Além disso, são realizadas diversas atividades para afirmar a junção da luta pela reforma agrária e pela agroecologia no acampamento.

As famílias pretendem dar mais um passo rumo à afirmação de seus direitos no território. Está de pé o projeto para construir um galpão ao lado da horta comunitária. O trabalho será feito com os princípios da bioconstrução, uma técnica técnica milenar, praticada por diversos povos, a partir de materiais acessíveis que dialogam com a natureza. Além disto, a técnica segue uma filosofia de responsabilidade ambiental.

Para tanto, esta nova etapa no Marielle Vive necessita de recursos financeiros e está com uma campanha aberta. A vaquinha online pretende arrecadar recursos tanto para a construção do galpão quanto para a troca de conhecimentos nas técnicas de bioconstrução. A vaquinha e o curso de bioconstrução com bambu estão sendo organizadas pelo MST, além dos esforços de Bianca Almeida – bióloga e militante das causas que afetam diretamente os povos e comunidades tradicionais – e Adriano Barbosa – permacultor, bioconstrutor e educador. 

Veja mais