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Rússia sairá mais vitoriosa do que Ucrânia com cessar-fogo, diz analista geopolítica

Podcast abordou futuro da Rússia e da Europa se guerra na Ucrânia chegar ao fim

Na última terça-feira (11), as delegações da Ucrânia e dos EUA anunciaram que Kiev concorda com um cessar-fogo temporário de um mês se a Rússia também aceitar e cumprir o combinado.

Em declaração conjunta, após horas de negociações em Jeddah, na Arábia Saudita, o lado ucraniano expressou prontidão “em aceitar a proposta de introduzir imediatamente um cessar-fogo temporário de 30 dias, que pode ser estendido por acordo mútuo das partes, sujeito à aceitação e implementação simultânea pela Federação Russa”.

Um possível cessar-fogo na guerra entre Rússia e Ucrânia foi o tema do episódio desta semana d’O Estrangeiro, podcast de política internacional do Brasil de Fato.

“Me parece que a Rússia […] não necessariamente se esquiva da possibilidade de encerrar o conflito, mas joga a negociação para um patamar muito mais elevado, de fim permanente do conflito”, pontuou Bárbara Motta, coordenadora do Observatório de Política Exterior do Brasil (Opeb) e professora de Relações Internacionais da Universidade Federal de Sergipe.

Se a negociação for para frente, “a Rússia [sairá] muito vitoriosa [da guerra], principalmente se esse acordo de cessar-fogo e o término permanente forem costurados. E sai vitoriosa com o auxílio de outra potência, que são os Estados Unidos.”

“Quanto à Ucrânia, no contexto atual, [o país] sai muito mais debilitado do que em outros momentos que ela pôde negociar. Hoje a situação em solo é muito mais favorável para a Rússia.”

Em relação à Europa, o continente vai passar por um momento de virada de chave, principalmente em relação a como vai lidar com a garantia da sua própria defesa. Para a analista geopolítica, “a Europa vive um momento de inflexão: como garantir a própria segurança e os custos que isso implicará, e o desacoplamento entre EUA e Europa”.

Sobre os próximos passos da negociação, Serguei Monin, correspondente do BdF na Rússia, disse que não há uma confirmação de ligação entre Donald Trump e Vladimir Putin sobre uma conversa de cessar-fogo. “O que tem confirmado é que o enviado especial de Trump está em Moscou, e deve se reunir com Putin ainda nesta quinta (13)”.

Relação Trump-Rússia

A aproximação inesperada do presidente estadunidense com a Rússia levanta a hipótese de pragmatismo dos EUA, visando uma possível tentativa de isolar a China. No entanto, Bárbara julga este movimento como algo que “pode ter um resultado não desejado”.

“Ao se aproximar da Rússia para isolar a China, e ao ignorar seus aliados tradicionais, os EUA criam uma situação mais favorável para que a China se aproxime de outros países fundamentais para esse crescimento e consolidação como potência hegemônica”. Portanto, para a analista, “é uma estratégia possível, mas que não vai resultar nesse tipo de consequência”.

Rússia-Europa

A relação entre o continente e a Rússia se deteriorou rapidamente nos últimos anos, principalmente por causa do processo de vilanização de Putin, perpetrado pelos países europeus.

Bárbara vê a reconstrução de uma relação cordial entre Rússia e Europa, com uma redução de tensões entre os lados, como algo que “não é possível no médio prazo”.

A coordenadora da Opeb citou como fatores para a dificuldade alguns elementos de interferência, como a sensação de pertencimento ao Estado ucraniano da população da região de Donbass. “Se Zelensky fizer um acordo de paz em que aceita ceder territórios, ele ainda arrisca iniciar uma instabilidade política e social interna”, explica.

Outro ponto levantado foi a retomada de investimentos massivos em capacidade de países do continente europeu e da própria União Europeia. Somados, os dois fatores parecem contribuir “para que a gente se aproxime cada vez mais de um momento muito perigoso da dinâmica europeia, do início de uma espiral de desconfiança e inimizade. E a Rússia é historicamente desconfiada da Otan”, explica Bárbara.

Tempo de paz e tempo de guerra

“É muito difícil a gente vislumbrar esse mundo que vai se construir nos próximos cinco ou dez anos”, pontua a analista.

“O tempo da paz é muito diferente do tempo da guerra. O tempo da paz necessita de um processo muito mais alongado de reconstrução, redução de tensões, desconstrução de inseguranças”, explica Bárbara. “O tempo da guerra pode ser um tempo muito mais rápido e imediato, construído em dias, semanas.”

“O tempo da paz é um tempo alongado. E para que a paz possa ser construída é necessário um processo contínuo, diário, de comunicação, de negociação entre as partes. Algo que eu não vejo sendo construído agora. E o mundo me parece que caminha para ser um mundo de desconstrução da ordem liberal internacional”, finalizou Bárbara.

O podcast O Estrangeiro é apresentado por Lucas Estanislau e Rodrigo Durão ao vivo toda quinta-feira às 10 horas.

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