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Brasil completa cinco anos do primeiro caso de covid-19 entre o trauma não superado e as sequelas esquecidas 

OMS estima que entre 10% e 20% das pessoas que foram infectadas pelo coronavírus sofrem com sintomas da covid longa

Nesta quarta-feira (26), o primeiro registro oficial de uma pessoa infectada pelo coronavírus no Brasil completa cinco anos. Em 26 de fevereiro de 2020, o Ministério da Saúde divulgava que um homem de 61 anos deu entrada em um hospital privado com sintomas respiratórios. Ele havia retornado de uma viagem à Itália, região que vivia um cenário crítico de propagação da doença.

A partir de então, o país passou a viver um dos momentos mais desafiadores de sua história moderna. Em território nacional, a emergência sanitária expôs ainda mais desigualdades estruturais e os limites do Sistema Único de Saúde (SUS). Até hoje, as consequências da covid-19 permeiam o cotidiano brasileiro, da falta de reparação a famílias das vítimas à covid longa, que impõe complicações prolongadas a quem teve a doença.

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a covid longa atinge de 10% a 20% das pessoas que passaram pela infecção. As complicações prolongadas incluem fadiga crônica, dificuldades respiratórias e neurológicas. No Brasil, estudos da Fiocruz apontam que pelo menos 2 milhões de pacientes sofrem com a condição, o que amplia os desafios do SUS.

Hoje, o país já conta com alguns protocolos específicos para atendimento, mas a falta de estrutura em municípios menores e a escassez de equipes especializadas no tema dificultam o acesso ao tratamento. Em entrevista ao podcast Repórter SUS, a pesquisadora da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Margareth Portela, afirma que ainda falta visibilidade ao problema.

“Nós fizemos entrevistas e um inquérito com pacientes internados. Também fizemos um componente qualitativo junto a profissionais e gestores do sistema no Rio de Janeiro e uma outra parte com pacientes, não necessariamente hospitalizados, mas que vivem com a covid longa. Nossa percepção, a partir desse conjunto de dados, é de que há, de fato, uma invisibilidade.”

De acordo com a pesquisadora, em muitas dessas conversas pacientes relataram fadiga e outros sintomas, mas nem mesmo sabiam da existência da covid longa. Há ainda casos em que a equipe médica não prestou orientação sobre o tema, que também pode ampliar a incidência de doenças cardiovasculares, problemas nas articulações, perda de memória e alterações no sono.

“O sistema já tem uma carga grande sobre ele. No pós-pandemia também tivemos uma certa demanda retida pela covid. Isso torna tudo mais difícil. Somos um país onde já temos muitas endemias e epidemias nos rondando e que deixam sequelas. Muitas vezes isso entra em demanda mais geral e as pessoas não identificam”, alerta a pesquisadora.

Outra consequência direta da pandemia foram as mais de 700 mil vidas perdidas no Brasil, resultado não só da violência do vírus, mas do negacionismo e da falta de medidas e cuidado por parte do governo federal ao longo da emergência sanitária.

Muitas dessas mortes poderiam ter sido evitadas se os esforços para compra de vacinas e cuidados sanitários tivesse sido efetivamente colocado em prática pela gestão do direitista Jair Bolsonaro (PL). O apagão de dados também trouxe obstáculos consideráveis.

“Em uma pandemia não se cria leitos de UTI de uma hora para outra. É preciso ter profissionais especializados, treinamento, não adianta achar que vai se treinar pessoas para fazer uma intubação, por exemplo, em um cursinho de fim de semana. Há um aprendizado que temos que levar muito a sério. Para enfrentar uma crise, é preciso se preparar”, ressalta Margareth Portela.

Além das questões diretamente ligadas à gestão da saúde pública, há falhas na reparação de famílias que tiveram perdas ao longo da pandemia. Em muitos casos, até mesmo crianças órfãs vivem dificuldades em acessar ajuda do estado. A preservação da memória também deixa a desejar. No ano passado, o Ministério da Saúde e o Ministério da Cultura assinaram um acordo para criação de um memorial das vítimas, mas até agora o projeto não saiu do papel.

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