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Comando do Congresso: ‘O poder não é do centrão, é da burguesia’, afirma João Pedro Stedile

Estreia da nova temporada do Três por Quatro discute desafios impostos a Lula pelos novos presidentes da Câmara e Senado

"Nosso parlamento, desde a Constituição Imperial de 1824, sempre foi um lugar de representação das elites, e isso não mudou. Agora há uma novidade: o maior controle desse parlamento sobre o orçamento." A análise é de Mayra Goulart, cientista política e professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), no episódio de estreia do Três Por Quatro em formato videocast, transmitido ao vivo nesta quinta-feira (6) pelo YouTube do Brasil de Fato. Em sua avaliação, essa conjuntura de maior concentração de poder, aliada ao conservadorismo crescente da sociedade, faz do Congresso um entrave para avanços sociais progressistas.

Além de Goulart, os jornalistas Nara Lacerda e José Eduardo Bernardes conversaram com a liderança do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), João Pedro Stedile, sobre os detalhes que permeiam as novas lideranças políticas neste início de ano legislativo no Congresso e sua relação com o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Nesta semana, o Congresso Nacional iniciou os trabalhos legislativos sob nova liderança. Davi Alcolumbre, do União Brasil, assumiu a presidência do Senado, e Hugo Motta, do Republicanos, foi eleito para comandar a Câmara dos Deputados. Em encontro com os presidentes das Casas Legislativas, o presidente Lula (PT) garantiu uma relação pacífica com os novos comandantes, destacando a força dos partidos que compõem o centro do cenário político nacional.

Segundo Mayra Goulart, a posse e a gestão de Alcolumbre e Mota refletem um contexto histórico no Congresso brasileiro de "predomínio de elites locais territorialistas", fazendo com que lideranças progressistas tenham que flexibilizar suas gestões diante de um Legislativo conservador.

Mayra explica que o chamado centrão, que opera conforme a conveniência do momento, "consolidou-se como um bloco de sustentação dos interesses da elite", barganhando apoio ao governo em troca de mais fatias do orçamento público.

Stedile critica essa dinâmica ao afirmar que "a situação do Congresso atual é muito mais resultado de uma crise da falsa democracia burguesa do que simplesmente uma sociedade mais conservadora". "A burguesia controla nesse país os poderes institucionais do Poder Judiciário, controla o Congresso. E controla a mídia burguesa. Então, o poder não é do centrão, o poder é da burguesia, que aciona os seus deputados a seu bel prazer"

Lutar é um trabalho político

Diante desse cenário, a esquerda enfrenta um desafio fundamental: fortalecer as forças populares como contraponto a essa hegemonia. Stedile avalia que o MST e outras organizações populares têm desempenhado um papel crucial nesse sentido, tensionando o Legislativo e reivindicando maior participação na formulação de políticas públicas.

A unidade entre os movimentos sociais e partidos progressistas torna-se essencial para romper a lógica imposta pela extrema direita e pelo "centrão fisiológico". "O nosso parlamento é a calçada, é a rua."

Mayra Goulart também aponta os riscos que englobam um avanço da elite no campo político, uma vez que abre espaço para a "extrema direita, que tem se mostrado internacionalmente cáustica a parâmetros mínimos de civilidade, aos direitos humanos, e a tudo aquilo que a nossa civilização valoriza".

Desta maneira, Stedile reforça ainda a importância da reaproximação dos representantes progressistas com a população, não em vista de garantir vitórias em eleições futuras, mas para evidenciar que tal parcela não é menosprezada por seus representantes. Atualmente, ressalta o líder do MST, "os trabalhadores e os mais pobres não acreditam mais nos políticos e no Congresso".

Disputa antecipada

Com a proximidade das eleições presidenciais de 2026, o tabuleiro político já se movimenta. O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), inelegível até 2030, deixa um vácuo na extrema direita que poderá ser ocupado por nomes como  o governador paulista Tarcísio de Freitas (Republicanos) ou até figuras midiáticas como o cantor sertanejo Gusttavo Lima, testado em pesquisas eleitorais recentes.

No campo progressista, Lula se mantém como o principal nome, mas a disputa pelo centro político será decisiva. A burguesia, ao perceber a instabilidade gerada pelo bolsonarismo, pode optar por um candidato que represente uma estabilidade moderada, como já sinalizado em alianças recentes.

Stedile prevê um cenário em que "provavelmente a extrema direita vai aparecer com dois, três candidatos". Além dos nomes já esperados do campo conservador, entram nessa conta figurões como o cantor sertanejo. Para Stedile, isso pode favorecer a reeleição de Lula, já que dessa maneira os candidatos bolsonaristas vão diluir os votos do seu eleitorado.

Mayra Goulart alerta que "esse apoio legislativo não se converte em apoio eleitoral. E conforme for chegando a eleição, o Legislativo vai começar a ser utilizado como plataforma eleitoral para candidatos que desejam marcar oposição ao governo".

Sobre a recente queda de popularidade de Lula, Goulart destaca que o problema do governo "não é de comunicação. Nós estamos perdendo uma batalha hegemônica em termos de valores societários, valores ligados à solidariedade".

Toda quinta-feira, ao meio-dia, no Youtube do Brasil de Fato, os comentaristas e convidados especiais do Três Por Quatro mergulham no principal tema político da semana, trazendo uma perspectiva crítica e popular sobre os fatos relevantes para o país.

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