Boa Tarde! Está começando mais um Visões Populares, trazendo para você ouvinte entrevistas exclusivas, produzidas pelo Brasil de Fato MG! Eu sou a Flora Villela e, no programa de hoje, vamos conversar com Durval Ângelo, novo presidente do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais, o TCE-MG, para o biênio 2025-2026.
“Se você tiver um olhar democrático pela Constituição Cidadã de 5 de outubro de 1988, eu não tenho dúvida em dizer que o novo nome da democracia são os direitos humanos”.
Em nossa conversa, Durval, que já foi deputado estadual em Minas Gerais pelo Partido dos Trabalhadores, abordou questões como mineração, inteligência artificial, desinformação e privatização das estatais mineiras.
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Nomeado pelo então governador Fernando Pimentel do PT, ele ocupa uma cadeira de conselheiro no TCE-MG desde 2018. Foi também seminarista, se formou em Filosofia, Teologia e Pedagogia tendo se especializado em Educação. Na Assembleia Legislativa de Minas Gerais, presidiu a Comissão de Direitos Humanos por 12 anos. Fica por aqui para conferir essa entrevista na íntegra depois da vinheta.
Brasil de Fato MG – O senhor disse em outras ocasiões que tem no cerne do seu trabalho a defesa dos direitos humanos. Em sua avaliação, quais são os principais gargalos em relação ao tema em Minas Gerais?
Durval Ângelo Andrade – Minha vida toda é ligada à questão dos direitos humanos, nas pastorais sociais da Igreja Católica, no movimento sindical, nas lutas populares e durante 24 anos como deputado estadual, a maior parte do tempo presidindo a Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa. Essa temática a gente carrega na vida. Mas um pouco mais que isso.
Se você tiver um olhar democrático pela Constituição Cidadã de 5 de outubro de 1988, eu não tenho dúvida em dizer que o novo nome da democracia são os direitos humanos.
Eu acho que não tem democracia sem ter claro que o artigo 3º da Constituição Federal fala em desenvolvimento regional, em erradicação da pobreza e combate a toda forma de preconceito, por sexo, religião, orientação sexual e raça.
Aqui no Tribunal de Contas, tem se discutido muito como uma ferramenta, um instrumento, como um tribunal de cidadania, que é o grande objetivo do Tribunal de Contas, não é só fazer análise formal de contas ou ter só uma preocupação com punição.
É a concretização das políticas públicas. Hoje, mais do que nunca, a gente tem que pensar nas políticas públicas de saúde, de educação, de assistência social, de meio ambiente, que são vitais para a garantia da vida.
É evidente que esses problemas perpassam a sociedade como um todo, todas as classes sociais. Mas quem é que tem esses direitos negados de forma permanente? São os mais pobres, são as massas sobrantes da sociedade.
Então, nesse sentido, se o novo nome da democracia são direitos humanos, a gente tem que pensar que o tribunal, ao concretizar essas políticas públicas, está ajudando o desenvolvimento da sociedade.
Nesse sentido, eu acho que o déficit é grande em Minas Gerais. Nós temos aqui desigualdades regionais muito grandes. Nós temos problemas graves, por exemplo, que não conseguimos universalizar, como educação infantil, que é uma determinação do plano nacional de educação.
Nós temos aqui problemas graves em relação ao meio ambiente, particularmente a questão da mineração, que não olha a questão do meio ambiente e que acontecem crimes violentos e não são crimes isolados, como Mariana e o grande crime que foi Brumadinho.
Um terço das barragens a montante em Minas Gerais estão com risco de desabamento. Eu acho que o tribunal tem que responder com uma urgência muito grande a essa questão dos direitos humanos.
Brasil de Fato MG – Qual é o papel do TCE, o tribunal de contas do estado, frente ao avanço do setor minerário no estado?
Durval Ângelo Andrade – O tribunal tem uma auditoria, que foi a auditoria do crime de Mariana, onde analisou a atuação do órgão de controle que deveria fazer o primeiro combate, a primeira luta da preservação do meio ambiente, que é a Secretaria Estadual de Meio Ambiente. A secretaria não tem técnicos suficientes, não tem estrutura suficiente, está defasada em muitas coisas. E o principal: não fiscaliza. Nós vamos monitorar essa auditoria.
Depois do crime de Brumadinho, que causou uma tragédia ambiental, humana e social tão grande, eu solicitei o levantamento, a pedido das entidades que lutam contra essa mineração predatória, de todas as barragens de Minas Gerais de rejeito de minério. E a conclusão foi a pior possível. Nós temos um risco iminente de um terço dessas barragens fazerem crimes piores que Brumadinho ou que Mariana. Nós vamos acompanhar esse levantamento.
E o terceiro ponto é o diálogo com a sociedade. Nós temos muitos movimentos de defesa ambiental, de luta contra a mineração, como o Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM). O Tribunal de Contas será um espaço de diálogo para que as lutas e as denúncias desse movimento de alguma forma estejam presentes no TCE-MG.
E a quarta medida de providência, nós podemos multar, nós podemos pedir ressarcimento, nós podemos punir tanto órgãos públicos, como empresas que atuam no espaço público, porque o minério é um bem público da União, não é um bem daquela empresa, não é da Vale, não é da Cedro, não são dessas empresas.
Brasil de Fato MG – Atualmente, o TCE-MG conta com uma inteligência artificial, chamada Solaris, que já ajudou em questões como indícios de improbidade administrativa, licitação dirigida, entre outras coisas. A sua gestão pretende melhorar esse processo? Como a IA pode fortalecer o papel do Tribunal na fiscalização dos gastos públicos?
Durval Ângelo Andrade – O Tribunal de Contas é uma continuidade. É um órgão colegiado, formado por sete conselheiros, que são juízes de conta. Com as prerrogativas de um desembargador do TJ, e ao mesmo tempo, trabalha numa linha de planejamento estratégico. Então, nesse sentido, nós continuamos um trabalho.
E já tem mais de 10 anos que o tribunal desenvolve mecanismos e instrumentos de inteligência artificial, como a Solaris, que já permitiu, por exemplo, na questão das licitações, uma economia muito grande.
Nós queremos implementar outros instrumentos de inteligência artificial, por exemplo, para fiscalizar se os portais de transparência das prefeituras estão atualizados, se as prefeituras cumprem a lei federal de transparência pública, se temos ouvidorias nos gabinetes, se temos controle interno nos municípios.
A Controladoria Geral da União, do governo Lula em Brasília, já tem uma ferramenta que nós vamos conhecer e tentar aplicá-la aqui. O Tribunal de Contas do Sergipe tem também uma ferramenta nessa área de transparência. E a gente pensa em desenvolver, sim, novas tecnologias. É o lado bom da inteligência artificial, a gente usá-la em defesa da vida.
Não permitir que as mídias sociais, instrumentalizadas pelo algoritmo, sejam usadas para fomentar, alimentar a extrema direita fascista, cada vez mais burra e atrasada. Nós temos que ter um pouco essa criatividade de pegar uma ferramenta e usá-la no sentido contrário ao que ela se propõe. No sentido contrário ao que as grandes big techs pensam sobre a questão do uso da inteligência artificial.
Brasil de Fato MG – No ano passado, o deputado estadual Professor Cleiton do PV, protocolou uma representação no TCE para tentar barrar o que ele chamou de “antecipação da privatização” da Cemig. Como você pretende lidar com questões como essa, visto que a privatização das estatais é uma prioridade para o governo de Romeu Zema?
Durval Ângelo Andrade – Eu fui o relator da questão da Companhia de Desenvolvimento de Minas Gerais (Codemge), e impedi a venda de 150 ativos da empresa.
É a mesma coisa de um carro. Se você tem um carro novo, popular, e você vende as rodas do carro, esse carro não vai andar. Se você vende os bancos desse carro, você não vai ter onde sentar dentro. Então, eu acho que essa venda da chamada desestatização é um equívoco, porque você pode desmontar uma empresa pública, você pode desmontar um patrimônio do povo.
Então, nesse sentido, eu espero que ao final do encaminhamento do processo da Cemig, tenha um resultado semelhante ao meu, porque o meu foi aprovado por unanimidade.
Brasil de Fato MG – O TCE-MG também identificou que, em 2022, o governo de Romeu Zema do Novo reteve recursos que deveriam ser destinados à educação e renunciou a valores bilionários de receita. A constatação motivou o órgão a aprovar “com ressalvas” as contas do governador em relação ao referido ano. Em sua avaliação, na comparação com outros governos, em que patamar o governo de Zema se encontra, no que se refere à responsabilidade com as contas públicas?
Durval Ângelo Andrade – Eu votei pela aprovação com ressalva, partindo do princípio da não aplicação na questão da educação. O processo não terminou ainda. E como é uma matéria que está em andamento, eu não posso adiantar uma opinião. Ao fim da votação do tribunal, eu posso adiantar.
A única coisa que eu sei é que houve desvio de finalidade de um recurso que teria que ser aplicado em salário da educação e não foi. Foi algo grave. Eu manifestei na época o voto, mas eu tenho que esperar o andamento.
Brasil de Fato MG – Como a sociedade pode se mobilizar para ficar de olho nos gastos públicos do Estado e fazer pressão para melhorias contínuas? É preciso ampliar o papel educativo e pedagógico do TCE-MG para chegar a mais pessoas, com uma linguagem mais popular? Como é possível fazer isso? Essa é uma prioridade da gestão, em tempos de desinformação?
Durval Ângelo Andrade – A União Federal prevê quatro controles fundamentais. Primeiro, é o controle externo do Tribunal de Contas. Nós que analisamos contas, nós que analisamos as administrações, os jurisdicionados.
Depois disso, você tem nas prefeituras um controle interno. Nem todas as prefeituras de Minas têm, mas, no controle interno, é fundamental que o controlador seja concursado, com estabilidade e também com autonomia e independência.Até para alertar o prefeito ou o presidente de uma estatal, ou presidente de uma Câmara, o que ele pode fazer ou não.
E temos também o controle legislativo. Ou seja, as câmaras municipais e a Assembleia Legislativa devem exercer seu papel de controle e podem até revogar um decreto do Executivo.
E finalmente, como eu já disse, o controle social. Porque na hora que você coloca a questão da justiça, aí já não é controle, é uma ação judicial para julgamento de uma irregularidade ou não. Já é a punição ou a absolvição. Então, esses quatro controles têm que funcionar bem e em harmonia no município.
O papel pedagógico do tribunal é treinar, motivar e cobrar que as prefeituras tenham controle interno. Estabelecer, por exemplo, nos fóruns técnicos, para que as câmaras municipais sejam instrumentalizadas em condições de controle, mas, em última instância, é também criar canais com a população, como eu disse na questão da mineração.
Por isso, nós temos ouvidoria no Tribunal. Ao mesmo tempo, nós pretendemos aqui fazer cursos para conselheiros de educação, conselheiros de saúde, conselheiros ambientais, etc, para que esses conselheiros se conscientizem sobre qual é o seu papel.
Nós estamos trazendo para Minas um programa para os 6 mil municípios do Brasil, que se chama ‘Prefeito Capacitado’. O Tribunal de Contas da União pretende formar três pessoas para o município, que saibam sobre a lei de responsabilidade fiscal, sobre a nova lei de licitação, sobre a questão do orçamento, sobre a da reforma tributária e os municípios.
A ideia é que todas as prefeituras indicassem três pessoas para esse treinamento, servidores públicos que tivessem estabilidade, que continuassem na gestão, que fosse além do mandato de um prefeito. A ideia que esses três agentes seriam os braços e os olhos do tribunal.
Eu acho que isso é papel educativo e a gente espera que ele aconteça. Lá na Bíblia tem a parábola dos talentos, que a conclusão dela é a seguinte: ‘o que muito for dado, muito será cobrado’. Então, a gente pretende envolver a sociedade.
Por hoje é isso, pessoal! O Visões Populares de hoje acaba aqui, mas na próxima semana tem mais entrevistas exclusivas e reflexões que transformam. Sempre às quartas-feiras ao meio dia, na Rádio Favela FM, na sua plataforma de áudio preferida ou no site do Brasil de Fato MG, www.brasildefato.com.br/mg. Acompanhe o Brasil de Fato MG também nas redes sociais para não perder nenhuma novidade. E até logo!