Com a participação do primeiro de seus campeões – Brasil, em 1919 – e do mais recente – Grêmio, em 2018 – está rolando o Campeonato Gaúcho. A cada começo de ano é a competição que concentra a atenção dos torcedores. Em 2019, o Gauchão está completando seu centenário. São cem anos de histórias irresistíveis. Escolhemos algumas delas para contar aqui.
O campeonato que durou 90 minutos
O primeiro Gauchão foi o mais curto de todos. Resumiu-se a uma só partida. Tudo porque, em 1919, o título estadual deveria ser definido entre os campeões de várias cidades que se enfrentariam entre si. Acontece que os vencedores dos torneios de São Leopoldo, Bagé, Cruz Alta, Uruguaiana e Santana do Livramento nem entraram em campo. Foram eliminados ao perderem o prazo de inscrição dos atletas... Sobraram então o Grêmio, campeão da capital, e o Brasil, vencedor em Pelotas.
O Brasil viajou a Porto Alegre no vapor Mercedes e, no dia seguinte, 9 de novembro, encarou o tricolor no então chamado “Fortim da Baixada” – ao lado da área que abrigaria, no futuro, o Parcão, no bairro Moinhos de Vento. No temido fortim, dez anos antes, o Grêmio enfiara 10x0 no Internacional, até hoje a maior goleada da história dos Grenais. Mas o Brasil não deu maior importância ao fato, aplicou uma goleada de 5x1 no dono da casa e sagrou-se campeão. O craque do jogo foi o atacante Proença com três gols. Curiosamente, Grêmio e Brasil novamente mediram forças no último Gauchão que também terminou em goleada (3x0), de novo num estádio apelidado “da Baixada”, mas de Pelotas e com vitória do Grêmio.
O campeão que ficou pelo caminho
De todos os campeões, apenas um não sobreviveu ao centenário da competição. Triunfante em 1928, quando arrebatou as taças em Porto Alegre e no Estado, o Americano desapareceu em 1941. Suas cores eram branco e grená. Na final, dia 24 de outubro, bateu o Bagé por 3x0. Foi do Americano o primeiro jogador de clube gaúcho convocado para a Seleção Brasileira e que disputaria um mundial. O zagueiro Luiz Luz, o “Fantasma da Área”, vestiu a camiseta do selecionado nove vezes inclusive na Copa do Mundo de 1934, na Itália.
Uma tempestade de gols
Corria o ano de 1976 e o Ferrocarril foi enfrentar o Inter no Beira-Rio. O clima não era exatamente de tranquilidade. Antes, em Uruguaiana, tomara 5x0 do Grêmio. E o Inter vinha com Figueroa, Carpeggiani, Valdomiro entre outras feras. E era o campeão brasileiro.
“Do Inter só o Manga não me preocupa”, confessou o rotundo Orlando do alto dos seus 106 quilos. Logo se viu que a preocupação do goleiro do Ferrocarril tinha todo fundamento. Os narradores gritaram o nome de nove goleadores diferentes. Foi uma fuzilaria só desde que a bola rolou. Só cessou com o apito final do árbitro Nazarino Pinzon.
Desde então, os 14x0 daquele 23 de maio nunca foram superados. Oito vezes os vencedores atingiram os dois dígitos, mas ainda longe da tempestade de gols que desabou sobre o clube da fronteira naquele final de outono.
Martial chuta contra a goleira vazia
Desfecho curioso teve o Gauchão de 1930. A começar que seu campeão somente foi conhecido em 1931. A bola parara de rolar devido à eclosão da Revolução de 1930 que levaria Getúlio Vargas ao poder. Na decisão em Porto Alegre, o Grêmio largou ganhando por 2x0, mas o Pelotas foi buscar o empate ainda no primeiro tempo com o meia Martial. Ele converteu os dois pênaltis marcados pelo árbitro Ernesto Fortes. No começo da etapa final, o Grêmio marcou de novo, mas, aos 45 minutos, Fortes apitou outra penalidade. Na confusão, o Grêmio decidiu se retirar do campo. Então, Martial marcou pela terceira vez, arrematando contra a goleira vazia. O caso foi parar na justiça desportiva que confirmou o título do Pelotas.
A força do Interior
Grêmio e Inter tornaram-se as grandes forças do Gauchão, mas outros 15 clubes também levantaram o troféu. Um deles, o Guarany, de Bagé, por duas vezes. A força do Interior chegou a deixar colorados e gremistas sem tocarem na taça durante cinco anos. Aconteceu na segunda metade dos anos 1930.
A lista começou com o Brasil em 1919, seguiu com Guarany (1920), seu rival Bagé (1925), os portoalegrenses Americano (1928) e Cruzeiro (1929), Pelotas (1930), o riograndino São Paulo (1933), o pelotense Farroupilha (1935), Rio Grande (1936), Grêmio Santanense (1937), novamente Guarany (1938), e outro riograndino, o Riograndense (1939). Esta última conquista marca o começo do predomínio da dupla. Somente em 1954, com o Renner, o título fugiria de suas mãos. Quarenta e quatro anos mais tarde, em 1998, o Juventude bateria o Inter no Beira-Rio e levaria o troféu para o Interior. Dois anos depois, contra o Grêmio, o Caxias repetiu a façanha. Em 2017, o Novo Hamburgo também chegou lá.
Este conteúdo foi originalmente publicado na versão impressa (Edição 9) do Brasil de Fato RS. Confira a edição completa.
Edição: Marcelo Ferreira